
Ford Pampa e Ford Maverick (Foto: Divulgação/Ford)
A marca Ford tem associação estreita e direta com picapes. Na década de 80, a Ford F1000 foi uma das caminhonetes mais desejadas, eficazes e transformadas (em cabines duplas, constituindo-se nos veículos de “luxo” de um mercado ainda fechado pra carros importados). Hoje, a Ranger é tida como a midsize mais tecnológica do mercado. E só perde em vendas para a Hilux. E lá nos Estados Unidos, desde que o mundo é mundo, a Série F é o veículo mais vendido do país. Não dá para criticar a Ford quando o assunto é picapes, certo?
Errado. A Ford “cometeu” uma Pampa durante alguns anos no Brasil, lá anos 80 e 90, única de todas as compactas que já teve tração 4×4, inclusive. Só que eu não simpatizo muito com a madame. Embora valente, principalmente quando “traçada”, a Pampa era sinônimo de robustez. Na minha opinião, entretanto, mais importante do que “carregar” é “andar”. E esse era o problema dela. O comportamento dinâmico da Ford Pampa, quando não tinha carga, era bem estranho. A traseira muito leve saltitava repetidamente, sendo que a suspensão dianteira já na era muito obediente. Tudo bem esquisito. Quando tinha carga…era ruim também.
Entrei como estagiário na Autolatina (VW-Ford) em 1989, no departamento de Relações com a Imprensa, e trabalhava na sede da empresa, na zona sul da capital paulista. Quando o motorista da área entrava em férias, alguém tinha que levar fisicamente o clipping (apanhado diário de reportagens recortadas de jornais e revistas que mencionam a empresa e seus produtos) para as plantas da VW e da Ford, em São Bernardo do Campo, uns 25 km de distância.
Sobrava para o estagiário.
Como eu tinha amizade com o chefe da frota, e ele sabia que eu adorava carros, costumava fazer o trajeto de Gol GTi. Ou GTS. Ou Quantum Sport. Nos dias em que ele estava mal humorado, eu ia de XR3. Enfim: a frota de Imprensa tinha mais de 100 carros. Era raro algum dia em que não havia algum desses carros mais divertidos para fazer a entrega do clipping.
Eis que, certo dia, ele estava muito azedo. Só sei que acabei indo a SBC de Pampa. E a de banco inteiriço, básica, onde até o retrovisor direito era opcional.
Cê, agá, tê. Sim, equipada com motor CHT.
Peguei a Rodovia dos Imigrantes e fui em direção ao litoral. Saí da estrada na alça que dava acesso ao bairro do Demarchi. Era o caminho para a fábrica da VW. Depois da alça, você entrava numa rotatória com uma longa curva à esquerda. Coisa de 110 ou 120 km/h de GTi ou GTS. 105 km/h na Quantum e no XR3. Estava ambientado a passar por ali. Só sei que entrei a 80-85 km/h com a Pampa e ela perdeu a frente. Tirei o pé… só que aí a traseira veio de uma vez. O problema não foi ter derrapado. Normal. Isso aconteceu ene vezes na vida. Só que eu sempre trouxe de volta. O problema foi que ela RODOU. Parei com a frente do carro apontada pra contra-mão.
Sabe aquele jogador de futebol que foi expulso uma única vez na vida? Pergunte se ele não se lembra do nome do árbitro.
FOI A ÚNICA VEZ QUE EU RODEI pelo menos em uma via pública. Única. Uma vez andei de Stock-Car em Interlagos, quando ainda era Opala. Rodei meia dúzia de vezes no traçado até entender que não podia dar motor antes da saída de curva, senão virava ao contrário. Mas, repito, na rua, só rodei com a Pampa. Lá se vão 37 para 38 anos de CNH, incluindo altíssima quilometragem de Fusca e Opala!!!
E detalhe: nos idos da década de 80, não usávamos cinto de segurança. Resultado: deslizei pelo banco de napa e fui parar quase na porta direita… Fiquei segurando o corpo pendurado no volante. Troço ruim!!
Maldita seja a Pampa. E bendita a Ford, que deve ter gasto todas as receitas erradas com a Pampa para, futuramente, vir a produzir uma Maverick. Aqui cabe a famosa expressão da água para o vinho: hoje, na minha opinião, a Ford Maverick tem o melhor handling de todas as caminhonetes que já guiei.
De Maverick na pista de cascalho
Meses atrás, a Ford reuniu um pequeno grupo de jornalistas para apresentar, na prática, algumas inovações criadas no Campo de Provas de Tatuí, no interior de São Paulo, e suas aplicações no atual line-up de modelos da marca. Eu havia acabado de deixar a JAC Motors, onde havia trabalhado desde 2011. Sabia que estava desatualizado em relação a outras marcas e modelos.
Após visitas a alguns laboratórios, o grupo foi para as pistas para experimentar as inovações. Uma delas era o sistema de controle de tração e estabilidade da Ford Maverick em pisos de baixa aderência. Entro, como passageiro, a bordo da picape e o piloto de provas Luiz Gozzani arranca rumo a uma pista de cascalho. Ela era larga, com curvas de alta. Mas não era asfalto. Era o tipo de piso e pista que um piloto de rally daria tudo para ter como treino.
Já tinham me prevenido que o Gozzani era um craque. Só que, na minha cabeça, com as referências automotivas que eu tinha, fazer a aproximação a uma curva a mais de 160 km/h não era exatamente muito prudente naquele tipo de piso. Logo na primeira curva, em “U” de raio longo, pensei comigo: “não fez”. Mas a Maverick fez. E usou muito menos a habilidade do piloto do que eu poderia supor.
A eletrônica do ESP é tão aprimorada, que eu entendi perfeitamente o quanto os meus parâmetros estavam superados. Ele golpeou o volante exageradamente com o objetivo de pendular a traseira para mostrar a ação da eletrônica. A traseira da picape ameaçou o sobresterço e aquietou, contornando até com facilidade. E assim, sucessivamente, nas 20 curvas seguintes do traçado. O piloto provocava a traseira do carro, e nada acontecia. Nas saídas de curvas, ele exigia o acelerador a fundo, o que me remetia logo a uma possível saída de frente. Nada. A Maverick tracionava de forma exemplar. Eu estava superado nas minhas referências. Tão simples como isso.
Tempos depois, eu peguei uma Maverick para teste. E rodei por alguns dias, atestando outros predicados do carro, como design, recursos de comodidade, segurança, conforto, desempenho. Gostei realmente da Ford Maverick. Um brinde a ela.
