No Brasil desde 2012 com produtos interessantes e de alta tecnologia, a marca apresenta crescimento forte e conta com fiéis e apaixonados compradores. A Ducati é uma marca apenas para a legião de entusiastas ou também para outros públicos? Para tirar esta dúvida, avaliamos dois modelos icônicos do lineup: A Ducati Diavel V4 e a nova Monster.
A Ducati sem dúvida está envolta em uma aura de misticismo, desempenho, tradição e paixão e mexe com todo amante das duas rodas. Para começarmos a responder à pergunta do título desta matéria, vamos falar um pouco da história da marca.
Como tudo começou?
Na esteira da criação dos sistemas de transmissão de voz sem fio nas duas primeiras décadas de 1900, realizadas por Guglielmo Marconi, Nikola Tesla e o Padre Roberto Landell de Moura (sim, um brasileiro também está envolvido na polêmica da criação do rádio), três irmãos italianos visualizaram uma grande oportunidade de negócio na fabricação de rádios. Adriano Cavalieri Ducati patenteou um transmissor de ondas curtas, com o qual ele poderia se conectar com os Estados Unidos. Juntamente com seus irmãos Bruno e Marcello, em 4 de julho de 1926, eles constituíram a Società Scientifica Radio Brevetti Ducati.
Os irmãos Adriano, Bruno e Marcello Ducati, não necessariamente nesta ordem.
Os três empreendedores alcançaram um grande sucesso e após 10 anos a empresa cresceu tanto em número de funcionários que acabou inaugurando a fábrica em Borgo Panigale. Com a guerra, no entanto, a fábrica tornou-se alvo de bombardeios aliados, que a destruíram em 12 de outubro de 1944. A partir de seus escombros, começaria a conversão em fabricante de motocicletas e a nova era da Ducati, como hoje a conhecemos.
O primeiro passo da Ducati no mundo das duas rodas se deu em 1946, na esteira da reconstrução da Itália no pós guerra e foi um lançamento muito bem pensado mercadologicamente: um motor auxiliar para ser acoplado em qualquer bicicleta: 4T, 48cc, 2 marchas e 1,5cv e que permitia um consumo na casa dos 100km/l e atingia até 50km/h. Em resumo, ao lado do Fiat 500, era tudo que uma família podia desejar em termos de liberdade e economia. Seu nome: “Cucciolo”, filhote de cachorro em italiano. Um sucesso que atravessou o oceano atlântico. Notem na segunda foto em P&B um ciclista rodando em Nova Iorque, com o Chrysler Building ao fundo.
“A small engine to start a new era. Un piccolo motore per ripartire”.
Lema muito bem elaborado, adaptado à necessidade de se recomeçar a vida e recuperar as Economias e sociedades combalidas após o fim da guerra.
E a primeira moto Ducati, quando foi lançada?
Em 1949 foi lançada aquela que pode ser considerada a primeira moto Ducati, o modelo 60. Ainda com feições mistas entre bicicleta e moto, apresentava um motor de 60cc, 2cv, velocidade acima de 60 km/h e consumo na casa também de 100 km/l.
A partir daí, a marca veio criando uma cada vez maior legião de entusiatas, chamados carinhosamente de “ducatisti” (ducatistas em italiano).
Conversa com o CEO
Para escrever esta matéria tivemos a oportunidade de conversar com o CEO da Ducati do Brasil, Daniel Paixão. Executivo português à frente da operação Brasil desde maio de 2022, nos mostrou rapidamente sua paixão (com o perdão do trocadilho fácil) pelo mundo das duas rodas. Apesar da Ducati Brasil vender algo como 1.300 unidades/ano, frente a uma venda global de 55 mil (contra 10.000 unidades na Italia e nos EUA), a Ducati é a única “National Sales Company” na América Latina, sendo que os demais países são atendidos por importadores, o que mostra o potencial vislumbrado pelo Grupo Ducati em nosso mercado. Na questão de maior capilaridade do pós venda, além das 4 concessionárias abertas em setembro último, o credenciamento de unidades do Ducati Service ajuda a prestar um bom serviço em mais localidades. São equipes que para serem credenciadas devem ter equipamentos específicos requeridos pela marca e pessoal capacitado. Disponibilidade de peças de reposição: esse é um tema que segundo Paixão está sendo fortemente trabalhado, com pessoal dedicado em contato semanal com as concessionárias para verificar eventuais problemas de peças de modo pró-ativo. Como indicador da satisfação do cliente com o processo de compra e atendimento do pós-venda, Daniel cita que o primeiro apresenta NPS (Net Promoter Score, um indicador de desempenho muito usado nas empresas) acima da média global Ducati e o segundo apresenta NPS na média global.
Vamos agora falar sobre a Diavel V4
Não há qualquer sombra de dúvidas que o nome Diavel faz qualquer motoqueiro ficar alucinado, assim como o nome Brutale, da MV Agusta. Realmente os italianos sabem mexer com o coração de todos!
Há algum tempo, quando fiz um test drive da Diavel V2, me prometi: ainda vou ter uma dessas na garagem. Não há como não ficar absolutamente hipnotizado pelo design da moto. Realmente um tiro certeiro do centro de design da Ducati.
A grande pergunta que ficou quando decidimos avaliar a Diavel V4 foi a seguinte: a 1260S V2 podia ser realmente melhorada? A Diavel V4 manteria o mesmo magnetismo que a antecessora? O que se perderia e o que se ganharia nesta sucessora da drag bike V2?
Conversando com amigos entusiastas da marca e pesquisando fóruns especializados no exterior, percebi opiniões divididas. Notei alguns comentários de pessoas mais puristas reclamando que a nova V4 deixou de ser uma Drag bike e se tornou uma Cruiser (batizada de Muscle Cruiser pela fabricante), bem como que o torque em baixa estava pior e que a eliminação do quadro em treliça tirou um pouco do DNA Ducati. Após andar com as duas, não há como negar que estes comentários não são totalmente desprovidos de alguma razão. Por outro lado, a inovação sempre vem com mudanças!
A nova versão da Ducati Diavel V4 é inegavelmente uma evolução da anterior.
Na conversa que fizemos com Daniel Paixão, CEO da Ducati Brasil (veja mais detalhes no box desta matéria), ouvimos uma frase que faz todo sentido: a Diavel V4 foi desenhada a partir do motor e não vice-versa, como é muito comum. Isso faz total diferença na pilotagem. Seja pela ciclística, seja pela eletrônica, ela é um produto espetacular. Delicioso de dirigir, anda muito, faz muita curva pela ciclística impecável e freia muito, mas muito bem. E o quick shifter bidirecional que muitos amam está presente.
Chama a atenção por onde passa, porém não é uma moto para o dia-a-dia. Neste contexto, ela se torna cansativa, como era de se esperar. Ela é para andar no fim-de-semana ou quando você quer realmente brincar com 168 cv e quase 13 kgfm de torque. Neste caso, a diversão é garantida, empurrando com força seus 223 kg. Visualmente não há um senão, sendo que comentários residem mais na questão do gosto pessoal que no produto em si. Muitos sentiram falta da treliça como mencionado anteriormente, enquanto outros adoraram ver o motor integrado na estrutura. Entretanto, todos concordam em um ponto. Ela é extremamente prazerosa de pilotar. E faz curva muito, mas muito bem, apesar do pneu largo atrás.
As perguntas que precisam ser respondidas:
・ Ela é melhor que a 1260S?
・ Eu compraria?
Vamos lá. Para mim ela se trata de uma evolução, sem dúvida alguma, como já mencionei antes. Não há como negar isso. Mas são produtos diferentes. A ciclística da V4 é melhor que a da anterior e isso é claro como cristal. O painel é lindo com sua tela de 5 polegadas de TFT cheia de funções como controle de tração, ABS, anti-wheelie. Configurar tudo isso é prazeiroso para os amantes da tecnologia. Eu gosto das duas, mas não escondo que tenho uma paixão antiga pela V2 com quadro em treliça aparente. Para mim, um charme especial. Mas isso é uma pura questão de gosto, o que é absolutamente pessoal. Acredito que para ficar feliz precisaria ter as duas na garagem. Respeito à História de um lado e admiração pela tecnologia de ponta do outro. Atire a primeira pedra quem não adoraria ter ambas na garagem…
Vamos fazer uma análise mais aprofundada deste belo motor V4
Para ajudar a entender melhor esse magnífico motor V4, vejamos abaixo o gráfico oficial da Ducati Diavel V4 com atenção. É um motor “girador” e extremamente elástico, com praticamente 10 kgfm a partir dos 3.000 rpm:
A seguir, um gráfico que mostra as curvas de potências (kW) e torque (Nm), retiradas de um fórum norte americano (portanto não oficial Ducati) onde os “ducatisti” comparavam a 1260S com a nova V4.
Que conclusões podemos depreender destes dois gráficos?
Uma análise mais “rasa” diria que a 1260S anda menos de final pois para a mesma potência o motor “gira” menos, sendo mais prazerosa em baixas rotações pois tem mais torque. Estas conclusões estariam corretas se os dois modelos possuíssem a mesma relação final de transmissão contando cada marcha + coroa/pinhão. Entretanto, para dados de desempenho, o que conta é a potência e o torque na roda e não no motor.
A V4 possui uma relação final mais curta, que permite que a pequena variação de torque em baixa desapareça e que a velocidade final seja parecida pela maior rotação do motor. Analisando dados oficiais, percebemos relações finais mais curtas na casa dos 20-25%, sendo que a relação primária entre ambas é praticamente igual. A diferença fica por conta dos jogos de engrenagem de cada uma das 6 marchas, números esses obtidos através dos dados oficiais de coroa e pinhão presentes nos releases da Ducati.
Eu compraria a Diavel V4?
Sim, compraria por duas razões. 1) Pelo trabalho local da marca em desfazer impressões de passado não muito distante que eram menos positivas em relação a confiabilidade do produto Ducati de modo geral e do pós-venda e 2) pelo produto em si, que é muito bom, state-of-the-art. Mas não a teria como moto única. Simplesmente porque os prazeres em pilotar uma moto são diferentes de acordo com seu estado de espírito. Às vezes, quero um passeio tranquilo a 120 km/h, mas em outras ocasiões, tudo o que desejo é velocidade. Não creio que nenhuma moto entregue estes dois mundos de modo tão destacado, nem mesmo as big trails que tanto aprecio e não uso por questões de segurança na violenta cidade de São Paulo. E acredito que ter mais que uma moto não é nenhum crime para um apaixonado pelas duas rodas!
Retomando uma pergunta do título da matéria: essa seria uma compra pelo coração ou pela razão?
Essa talvez seja a pergunta mais fácil de responder. Pelos dois. Belo produto, muito bem projetado. Eventual problema de menor liquidez / uma revenda mais longa ou de espera por uma ou outra peça de reposição? Talvez, mas como a Ducati Diavel V4 jamais seria para uso diário, isso não apresenta importância material, apenas marginal. E o coração, o que diz? Ele não fala, mas grita em alto e bom som: compre e seja feliz. O prazer de pilotar e ter uma Ducati na garagem é extraordinário. Não há nada que pague esse sentimento.
Agora vamos falar da Monster!
Tivemos também a oportunidade de avaliar outro ícone do lineup, a nova Monster 937cc.
A pegada aqui é diferente: para mim esta Naked raiz é uma grande fun bike. Motor de 937cc, com uma potência de 111 cv e 9,5 kgfm. O mais interessante é a curva deste torque, bastante plana. Na prática, um motor forte pois tem 6 kgfm em baixa rotação, tornando a pilotagem extremamente prazeirosa. Leve, com apenas 179 kg. Como toda Naked, me importa mais a relação peso/torque e não peso/potência. Mais impressionante que saber que cada cv precisa empurrar 1,6 kg é saber que cada kgfm precisa empurrar menos de 19 kg de peso. Isso se traduz em acelerações vigorosas.
Entrar e sair em curvas de baixa velocidade com todo este torque disponível do gráfico acima é de um prazer indescritível. Some-se a isso uma ciclística impecável e freios que beiram a perfeição, a diversão está garantida. Como cereja do bolo, há um quick shifter bi-direcional, que muitos apreciam. E não poderia deixar de mencionar o quadro em treliça tradicional, que os old-schoolers como eu tanto amam!
Felizmente ou infelizmente pude testar os freios quando um ônibus cortou a minha frente para uma conversão à direita. Perfeitos.
Eletrônica? Recheada de controles na bela tela de TFT. Entretanto, antes de desligar tudo, o mais indicado é ir aos poucos e se acostumando com as respostas da moto que, com o perdão do trocadilho, são monstruosamente agradáveis.
Aqui cabe a mesma pergunta: eu compraria esta Monster?
Sem sombra de dúvida. Ela é mais “descompromissada” que a Diavel V4. Sabe aquela ida à padaria que fica a 5 km de casa no Sábado pela manhã? Ela se encaixa como uma luva. Aliás, ela é um convite a essas “saidinhas” descompromissadas. Outro uso seria no sempre divertido track-day, que muito amam. Rolês mais longos na estrada também são divertidos, sobretudo se forem em estradas sinuosas onde torque, ciclística e freios são imprescindíveis. É neste habitat que a Monster revela todo seu DNA e proposta de produto.
E não esqueça nunca o nosso mantra: pilote sempre com responsabilidade. Mas jamais esqueça que o capacete ouve os demônios de tua cabeça, o escapamento grita o que tua garganta não consegue gritar, a suspensão aguenta os teus altos e baixos emocionais. E a moto te leva a lugares reais e imaginários que nenhum outro veículo te leva. E junto com os cachorros, ela é o melhor amigo do Homem, sempre.