Na semana passada citei Shakespeare no final da coluna, mas agora terei de apelar para uma fábula de Esopo: A montanha pariu um rato. Não se trata de desmerecer o esforço do Governo Federal e muito menos achar que a iniciativa dispensa méritos. O problema é tão somente a falta de uma visão ampla da indústria automobilística e menos politizada, o que levou ao açodamento da iniciativa.
Ao contrário do que aconteceu em 2012 e 2013, quando a isenção total do IPI levou a uma disparada inédita nas vendas atingindo quase quatro milhões de unidades de veículos leves e pesados em cada um daqueles anos, a atual Medida Provisória do Setor Automotivo começou de forma atabalhoada ao esquecer dos limites impostos pela Lei de Responsabilidade Fiscal de 4 de maio de 2000. Incentivo em qualquer nível tem que ser compensado por uma fonte de receita.
Escolheu-se a reoneração fiscal antecipada do preço do diesel. Assim, se conseguiu o total de R$ 1,5 bilhão e esse montante será dividido: um terço para veículos leves e dois terços para os pesados (caminhões e ônibus). Dessa forma, as previsões otimistas indicam que o estímulo vai durar apenas um mês, ou pouco além, quando a verba se esgota. Serão apenas 115.000 veículos leves, considerando a venda diária média dos últimos meses, segundo a Anfavea. As grandes dúvidas: o governo ampliará ou não o programa imaginado para até quatro meses e de onde sairão os recursos compensatórios.
A decisão de enquadrar caminhões e ônibus foi correta, embora desidratando bastante o montante disponível para automóveis e comerciais leves. Também ficou a esclarecer de que forma os veículos pesados com mais de 20 anos de uso serão retirados de circulação e levados para desmontagem/reciclagem.
Um aspecto positivo é haver sobra de automóveis zero-km. Os estoques deram um salto para cima na segunda quinzena de maio com a paralisia das vendas em razão dos compradores terem resolvido esperar pelos descontos. Não há como a indústria diminuir a produção do dia para a noite. Mas um fenômeno interessante está ocorrendo. Quase todas as marcas anunciaram, às pressas, descontos além dos R$ 2.000 a R$ 8.000 (escalonados de cima para baixo) anunciados pelo Governo Federal.
Os dois modelos de menor preço que formam a categoria de entrada ou acesso ao mercado, por exemplo, ficaram cerca de R$ 10.000 mais em conta: Renault Kwid e Fiat Mobi. Volkswagen anunciou bônus de R$ 5.000, além do desconto “oficial”, e a chamada “taxa zero”. Stellantis igualmente foi rápida com as marcas Citroën, Jeep e Peugeot. Chevrolet, Caoa Chery e Hyundai também. É muito provável que todas as marcas elegíveis entrem nessa disputa pelo consumidor e o pobre ratinho.