Empresas do gigante asiático são as mais agressivas nos investimentos em eletrificação, e podem se dar muito bem ou muito mal com isso
O Brasil começa, aos trancos e barrancos, e a despeito de um aparente descaso governamental, a engatinhar na formação de uma futura indústria nacional de veículos elétricos. Se o processo dará certo ainda não sabemos, mas esse salto parece fundamental para que não viremos uma nova Austrália, tornando-nos meros importadores.
Muita gente torce o nariz para esse tema, acreditando que tudo bem se o Brasil não tiver mais uma fábrica de carros, caminhões ou ônibus. Melhor trazer de fora, que às vezes o custo acaba sendo até mais barato.
Quando vejo que a atual cadeia automobilística nacional (ainda) gera mais de 1 milhão de empregos, embora tenha sido substancialmente desidratada nos últimos anos, discordo frontalmente dessa visão.
Em um mundo que caminha de modo cada vez mais célere rumo à eletrificação, estarmos presos ao passado dos carros a combustão será a assinatura de uma sentença de morte de nossa indústria automotiva em médio e longo prazo. E, consequentemente, dessa cadeia da qual dependem milhões de funcionários e famílias.
Mas já há algumas sinalizações positivas nesse sentido. E, curiosamente, ela não vem necessariamente das maiores e mais tradicionais fabricantes instaladas em nosso país. Verdade que Stellantis e Volkswagen esboçam alguns movimentos rumo à eletrificação de seus produtos nacionais, mas ainda tímidos.
A GM, por sua vez, já avisou que dará um salto direto dos modelos a combustão para os elétricos, e aí ficamos sem ter muita clareza sobre o que vai acontecer com suas quatro fábricas brasileiras quando esse processo se intensificar.
Isso sem falar na Ford, que já pulou fora enquanto fabricante e se assumiu como importadora. Afinal, se um Ka dava prejuízo com motor 1.5 aspirado, imagina se ela tivesse que investir para transformá-lo em híbrido…
É aí o que vemos que, de fato, são gigantes chinesas que estão tomando a dianteira do processo. Primeiro, a Great Wall Motors, que entrará no país vendendo e montando apenas veículos híbridos após a compra da fábrica da Mercedes-Benz em Iracemápolis (SP). E já há planos de incorporar modelos elétricos ao negócio daqui a alguns anos.
Mais recentemente, a BYD vem tirando da manga um plano robusto de produção local de veículos elétricos leves e pesados, além da manipulação local de matérias-primas e até manufatura de baterias, usando para isso a antiga fábrica da Ford em Camaçari (BA), que seria dividida em três, e a fábrica de motores da Stellantis em Campo Largo (PR).
No caso da BYD, é importante ressaltar que os projetos ainda se encontram em fase de negociação e dependem de confirmação. Todavia, se as chinesas assumirem mesmo esse papel de protagonismo, empresas tradicionais do ramo podem ficar para trás e encontrar dificuldades para se reposicionar no futuro, ficando até mesmo na dependência delas, por exemplo, para ter acesso ao fornecimento de baterias.
É claro que o cenário ainda é muito difícil de prever. Pode ser que as chinesas tenham chegado com muita sede ao pote e feito seus investimentos cedo demais, sem que o país ainda estivesse preparado para tanto. E aí a vantagem será de quem teve mais cautela e guardou suas munições para mais tarde.
Diante de tanta nebulosidade, a única análise mais clarividente que podemos ter até aqui é que o Brasil precisa de um projeto mais claro, robusto e plausível de eletrificação em médio e longo prazo. Em um mar de incertezas, ter uma bússola e um comandante sabendo para onde conduzir o leme já será de alguma ajuda.