Fábricas cobram mais caro pelos carros que produzem enquanto a demanda for maior que a oferta
A escassez global de microchips eletrônicos que desde o início de 2021, segundo estimativa da consultoria AutoForecast Solutions, já provocou perdas de produção de mais de 13 milhões de veículos no mundo todo, por paradoxal que seja, também protegeu o lucro das montadoras que, após o baque da pandemia, souberam lidar com a crise usando a lei de procura e oferta a favor de seu caixa, para aumentar substancialmente os preços de seus produtos.
Como comprovam os resultados financeiros divulgados recentemente por algumas das maiores fabricantes mundiais de veículos, produzir menos pode significar ganhar mais. O fato é que as paralisações de produção em várias fábricas pelo mundo, causadas por falta de semicondutores, trouxe a boa parte das montadoras lucros maiores do que teriam se estivessem produzindo normalmente.
Isso porque as empresas se beneficiam de grande demanda represada no mercado, procura acima da oferta, com consumidores dispostos a pagar aumentos relevantes de preços, ao mesmo tempo em que direcionaram os chips que conseguiram comprar para fabricar os veículos mais caros.
Essas ações combinadas elevaram a rentabilidade para níveis recordes, nunca vistos na década passada, antes da pandemia. Contudo, analistas e executivos da indústria reconhecem que esta é uma situação datada para acabar, provavelmente, ao longo de 2023, quando espera-se que a escassez de chips não será mais desculpa para limitar a produção e os pedidos em filas de espera poderão ser todos atendidos.
Limite dos aumentos
Como é improvável que esta mesma massa de clientes seja capaz de sustentar o mesmo volume de encomendas por anos à frente, a indústria terá de inventar meios de reduzir preços, como lançar modelos mais baratos, e correr atrás de consumidores que hoje, diante de inflação e juros nas alturas, estão fora do mercado por falta de renda.
“O peso da compra de um carro no orçamento familiar é algo que teremos de enfrentar. Existe um limite para aumentar preços”, disse no início de agosto, com sua incomum sinceridade, o CEO do Grupo Stellantis, Carlos Tavares. Uma semana antes a corporação que ele dirige divulgou balanço semestral com produção menor e rentabilidade recorde.
Tavares explicou que a indústria até agora foi beneficiada por um raro “ponto certo” em que as fábricas, por falta de chips, não conseguem produzir o suficiente para atender todos os pedidos, mas a demanda continua alta, o que deu aos fabricantes a oportunidade de elevar os preços acima das altas dos custos logísticos e de matérias-primas.
Mas o executivo reconhece que esta não é uma posição sustentável por muito mais tempo: “Se a produção crescer cairá o poder de elevar preços da indústria, o que significa que nossas margens serão pressionadas”, ponderou Tavares durante a divulgação do balanço do primeiro semestre de 2022, no fim de julho.
Nada que cause muita preocupação por enquanto, os preços não devem cair tão rápido, porque até o momento os pedidos acumulados de veículos das catorze marcas da Stellantis estão três vezes acima do ritmo de produção, e o ponto de equilíbrio das finanças do grupo equivale a 40% do faturamento atual: “Então podemos enfrentar qualquer evento, inclusive uma recessão”.
Preços e lucros nas alturas
Tavares pode até temer a virada para baixo do mercado e da rentabilidade a partir de 2023, mas acumulou bastante gordura para queimar. No balanço global do primeiro semestre do Grupo Stellantis, as vendas em unidades caíram 7% mas o faturamento aumento 17% e o lucro antes de impostos e despesas financeiras, de € 12,4 bilhões, saltou 44% sobre o apurado no mesmo período de 2021, com margem de ganho sobre o faturamento que subiu três pontos porcentuais, de 11,4% para 14,4%.
Interessante destacar que, segundo a Stellantis, os reajustes de preços asseguraram € 5,8 bilhões do lucro operacional, pouco menos da metade do ganho reportado no primeiro semestre.
Algo parecido aconteceu com a operação da Stellantis na América do Sul, onde o Brasil consumiu 71% dos volumes vendidos no primeiro semestre. No período, comparado a 2021, as vendas em unidades na região caíram 5%, mas o faturamento cresceu expressivos 47% e o lucro operacional triplicou, alcançou € 1 bilhão, em salto de 207%. Segundo relatório do grupo, este resultado “mais que compensou as altas dos custos logísticos e de matérias-primas”.
No Grupo Volkswagen, mais afetado pela falta de chips este ano, as vendas globais em unidades caíram 20% mas o lucro operacional do primeiro semestre, que somou € 13,2 bilhões, cresceu 16% sobre a primeira metade de 2021.
Com a priorização da produção de modelos topo de linha as marcas premium do grupo contabilizaram grandes saltos nos ganhos: o resultado operacional da Audi avançou 51% e o da Porsche 22%. Na popular marca Volkswagen o lucro caiu 8% mas a margem dobrou, de tímidos 3,4% sobre as receitas para 7,3%.
O chefe financeiro do Grupo VW, Arno Antlitz, alertou que ”a demanda está caindo”, citando especificamente Europa e Estados Unidos, mas disse que a carteira de pedidos acumulados é mais que suficiente para sustentar a produção no nível atual – abaixo da demanda – nos próximos meses. Ou seja, a inflação está corroendo a renda no mundo e isso poderá reduzir as vendas. Quando isso acontecer os preços devem cair, mas vão continuar no alto pelo máximo de tempo possível, enquanto os consumidores aceitarem pagar as montadoras vão encher o caixa de dinheiro.