A evolução tecnológica dos produtos requer agora gestores modernos e humanizados na condução dos negócios, nas concessionárias e nas montadoras.
Certa vez perguntei ao diretor comercial da montadora, por que precisávamos de uma rede de concessionárias tão ampla. Era década de oitenta e a injeção eletrônica ainda nem havia chegado por aqui. Então, ele, um sujeito espetacular que mandava mais do que o presidente da empresa, disse o seguinte: “Sabe porque eu tenho setecentas concessionárias? Porque, na verdade, só preciso da metade delas e com trezentas e cinquenta consigo fazer os objetivos”.
Era uma época em que os representantes das montadoras eram tratados como semideuses e as concessionárias parceiras da marca, aquelas que ajudavam a vender o estoque encalhado, recebiam um carinho especial na lista de prioridades para distribuir o “filet mignon”. Isso, hoje, não acontece…
Ao longo de mais de três décadas no setor, presenciei casos de sucesso e fracasso nos relacionamentos entre montadoras e concessionárias e os piores deles sempre estiveram ligados às demandas judiciais, geralmente ocasionadas por muita vaidade e pouca diplomacia. Concessionários com baixa “performance” eram forçados a melhorar ou deixar o negócio. Alguns eram estrangulados comercialmente e amanheciam com um novo concorrente, da mesma marca, nomeado em sua área de atuação.
Então, um famoso advogado no setor conseguiu criar uma jurisprudência que mudou as coisas. Algumas montadoras cancelavam as concessionárias, unilateralmente, para nomear outra concessionária na área, enquanto a disputa judicial se iniciava, até o dia em que houve o bloqueio da nomeação da nova concessionária para que as partes em litígio se acertassem, ou seja, o concessionário cancelado não mais buscava a sua reintegração à rede, mas sim, buscava a compensação financeira e enquanto isso, a montadora não poderia efetivar a nova nomeação. Resultado: montadoras e concessionárias perdiam dinheiro e tempo, enquanto a marca perdia “market share”. Houve casos em que os bloqueios para as novas nomeações perduraram por longos meses.
Fazendo a lição de casa
Com a expansão do setor automotivo no Brasil e a chegada de novas montadoras, muitas marcas reestruturaram suas redes de concessionárias e na maioria dos casos, da forma correta, negociando e viabilizando fusões, aquisições e consolidações de grupos e áreas. É comum, para o bem da própria rede e da marca, que a montadora facilite as negociações. Nada melhor do que evitar demandas judiciais e acelerar os planos estratégicos, para que as marcas não corram riscos desnecessários.
Os concessionários são investidores que buscam retorno financeiro. Em muitos casos, foram prospectados pela marca no passado e convencidos a investir, acreditando em um plano de negócios que nem sempre se viabilizava. Por outro lado, não há garantias que esse tipo de casamento irá sobreviver na saúde e na doença, na riqueza e na pobreza… não, na pobreza não há como manter o relacionamento.
Mudam o modelo de negócios e a forma de ganhar dinheiro nas redes de concessionárias
Carros elétricos, híbridos, células de hidrogênio, veículos por assinatura, compartilhamento, utilização por demanda, a forma das concessionárias fazerem negócios está mudando, ao mesmo tempo em que o atual modelo de vendas e prestação de serviços para carros com motor a combustão permanecerá ativo por décadas. Teremos dois modelos de negócios convivendo em paralelo, o modelo tradicional e um novo virtual e disruptivo, no qual as montadoras terão total controle sobre a experiência do consumidor e as concessionárias perderão muito. Paciência, é a evolução dos negócios, da tecnologia e das relações comerciais.
Serão necessárias novas convenções de marca entre fabricantes e associações e a elaboração de uma convenção de marca costuma esconder alguns perigos.
Os novos modelos de negócios exigirão investimento, a modernização da gestão e da própria rede de concessionárias, mas chegarão repletos de oportunidades. No futuro, ainda distante, é possível que as concessionárias exclusivas percam importância na cadeia de valor.
Diplomacia, negociação e respeito
Neste momento de nova transição, gestores das montadoras e das redes de concessionárias precisam fomentar a diplomacia e a negociação, sem perderem o respeito mútuo. Uma vez perdido o respeito, a taça de cristal é trincada e ainda servirá para beber água, mas jamais voltará a ser uma taça de cristal como antes.
Entendo perfeitamente as pressões por objetivos e resultados no setor, vivi intensamente tudo isso e ainda vivo, afinal, são mais de trinta e seis anos atuando no relacionamento entre concessionárias e concedentes. Entrei para o setor em uma época em que, para cumprir com os objetivos de vendas, as montadoras faturavam nos dias 30, 31, 32, 33…
A área comercial ensina muito, a cada dia, mas ainda há os que insistem em não aprender.
Os próximos anos serão dinâmicos e cheios de novidades. Com eles, grandes oportunidades de negócios, inclusive para quem entrar no ramo de distribuição de veículos e peças, mas o modelo de negócios vai mudar, as pressões não.
Leia também a coluna anterior:
https://carsughi.uol.com.br/2021/09/o-concessionario-no-diva-parte-4-quanto-vale-a-minha-concessionaria/
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