Os carros elétricos viraram a coqueluche do momento. São amplamente discutidos desde os grupos mais técnicos de engenheiros, passando por gearheads e geram alvoroço também nos consumidores normais. A imagem de que podemos carregar o carro na tomada da garagem de casa e andar tranquilamente pela cidade sem poluir é fascinante. Eu hoje dirigi um Nissan Leaf e gostei muito, apesar de ter estranhado a falta de ronco de um motor a gasolina/álcool. Mas não vou negar que me senti como o pessoal da família Jetson…
Mas será que o carro elétrico realmente polui menos que carro com motor de ciclo Otto (gasolina, álcool ou flex)?
Essa é uma pergunta muito complexa para ser respondida de “bate-pronto”, por mais bizarro que isso possa parecer! Ora, se não queima combustível, não emite CO2, NOx, etc, é mais “limpo”!
Não é bem assim. Há muitos fatores a serem levados em conta nesta análise, que vamos tentar esclarecer neste texto. Adianto que essa resposta é uma equação com muitas varíáveis e poucas constantes. Tipo aqueles polinômios de quarto grau que a gente aprendeu na escola e nunca mais usou.
O que precisa ser analisado para se chegar à resposta, então?
Vamos pegar um exemplo típico: os carros elétricos que são alugados na Europa. Quando eu alugo um carro desses, certamente não estou jogando na atmosfera o tal do CO2 e NOx. Então o ar da cidade onde eu circulei não foi poluído. Verdade. Mas esse carro usa energia elétrica para funcionar. Aí vai a primeira pergunta incômoda: o processo de produção dessa energia elétrica poluiu o ambiente e/ou causou danos ao meio ambiente? Sim, em menor ou maior escala, assim como qualquer processo de transformação na Natureza. Tudo tem a tal da “pegada de carbono”, que nada mais é do que analisar qual a emissão de CO2 de uma atividade. Nós, pelo simples ato de respirar, geramos “pegada de carbono”, afinal inalamos ar (em linhas gerais uma mistura de 79% de Nitrogênio e 21% de Oxigênio) e exalamos CO2 e H2O, muito parecido com um veículo. Em outras palavras, viver estraga o planeta sim.
Então, por mais que o ato de andar com um carro elétrico não polua a cidade onde eu circulei, ele certamente gerou poluição em alguns outros lugares, como por exemplo onde a energia elétrica foi gerada e posteriormente distribuída. Aí começam as complicações desta resposta. A principal delas é a matriz energética de cada país.
Mas o que a matriz energética e elétrica de cada país tem a ver com isso?
No exemplo da Europa, praticamente 50% da energia elétrica gerada vem de usinas térmicas (gás e carvão) e uns 10% de energia nuclear. Muito da energia elétrica da Europa era de geração nuclear, mas depois do acidente com a usina nuclear de Fukushima no Japão em 2011, a Europa reduziu este tipo de geração. O país que distorce isso ainda é a França, com uma geração de energia nuclear maior que a média da Europa.
Entretanto, vale destacar que os números de geração de energia proveniente de fontes renováveis aumentou no mundo inteiro, mas não ainda a ponto de desbalancear muito esta discussão.
Então vamos nos aprofundar em exemplos para esclarecer o assunto.
A energia que o carro elétrico usa na Europa vem em grosso modo, metade de uma usina termoelétrica, que queimou ou gás natural ou ainda carvão. Isso gera uma enorme emissão de CO2 na atmosfera e não pode ser desconsiderado da equação que vai determinar se um carro elétrico polui mais ou menos que um ciclo Otto.
Vamos agora considerar o Brasil, onde o grosso da energia ainda vem de hidrelétricas. Certamente aqui a emissão de CO2 para se produzir a eletricidade é menor que na Europa. Mas não necessariamente os impactos no meio ambiente… Como assim? Para se construir uma usina hidrelétrica, é necessário fazer uma barragem para conter a água do rio, que será direcionada às turbinas. Isso destrói o ecossistema local e ainda causa impactos socias, pois comunidades e cidades inteiras desaparecem para que a barragem seja construída e depois enchida. Isso não gera muito CO2, mas impacta o meio ambiente.
E se estivéssemos falando por exemplo da Dinamarca, onde a maioria da energia produzida é de fonte renovável, principalmente eólica? Aí tudo muda de figura. Certamente lá o carro elétrico polui menos que o ciclo Otto.
A confusão piora, quando levamos em conta mais outros dois aspectos: a energia gasta para se produzir o carro (incluindo todas suas peças) e o que se faz quando o carro chega ao fim de vida.
O carro com motor Otto tem muito mais peças móveis que o elétrico. Para se fazer qualquer peça há uma produção de CO2. Mais peças significam mais fábricas fazendo maquinas para serem usadas em mais fábricas, bem como mais gente para produzir e distribuir essas peças. Então neste ponto o carro elétrico leva vantagem. Isso sem levar em conta o país onde as peças são produzidas, pois caso sejam produzidas em um país que gera energia dita “suja”, essa equação muda para pior, bem como se for produzida na Dinamarca, também muda, mas para melhor.
Acabou aqui então?
Infelizmente não. A discussão não para por aí. O que acontece com o carro ao fim da vida útil? Qual a energia gasta para se reciclarem as peças (quando são recicladas) e o que se faz com as baterias elétricas no fim da vida? Este balanço energético comparativo também nunca vi ser feito em estudo preciso e isento.
Qual o resumo de tudo isso?
Ninguém sabe ao certo, e quem diz que sabe eu classifico em duas categorias: ou não sabe o que está falando ou está agindo de má-fé…
Esta então é uma equação de muitas varíáveis e poucas constantes… Dá para afirmar algo com certeza???
O que posso afirmar com quase certeza: um carro elétrico que roda na Dinamarca é menos poluente que um carro Otto que roda lá. Já todas as combinações de variáveis anteriormente descritas geram uma quantidade de resultados infinitos, que além de tudo variam no tempo.
Mas como assim, essa resposta varia no tempo???
Por exemplo: aqui no Brasil, o mesmo carro elétrico andando quando estamos com bandeira vermelha (quando há usinas térmicas acionadas) polui mais que o mesmo carro usado fora da bandeira vermelha.
Então como fica o futuro do carro elétrico?
Isso dá afirmar com certeza. O mundo todo está migrando sua matriz energética e especialmente elétrica em busca de uma Economia de baixo carbono. O carro elétrico é o futuro, não restam dúvidas. Só não se sabe afirmar qual o tempo para que ele seja mundialmente mais limpo que o carro ciclo Otto. A Economia baseada no petróleo está com seus dias de glória contados, assim como a Economia baseada nas usinas de carvão de 2 séculos atrás. As fontes renováveis e limpas, como eólica e solar serão o futuro. A atômica corre por fora. Basta apenas conseguirem mitigar a questão de segurança de operação das usinas e a destinação segura do subproduto que geram. Tem gente que aposta nisso.
E no Brasil? O carro elétrico vai dominar?
Não se sabe qual vai ser o end-game. Mas certamente, por termos uma vasta dimensão territorial agriculturável, vamos continuar a produzir álcool combustível por muitos anos ainda. Eu acredito que aqui o carro híbrido vai reinar por muito tempo, até porque para termos uma ampla rede de recarga para carros elétricos o custo é alto e somos um país pobre.
Mas a produção de álcool não tira espaço da produção de comida? Isso não vai fazer com que o Agro se foque em alimentos? Não necessariamente. A tecnologia no campo faz com que cada vez se extraia mais do mesmo hectare. Além disso, a tecnologia de carne sintética é uma realidade sob a ótica técnica, sendo sua adoção em escala global apenas uma questão de tempo para o preço cair. E se a pecuária vai diminuir, menos terra será necessária para criar bois, assim como menos terra vai ser necessária para se plantar grãos para se alimentar os bois e porcos que são consumidos hoje…