∙ Por que montadoras brigam por números de participação de mercado?
∙ O que isso tem a ver com o Fundo de Comércio?
∙ Ainda vale a pena comprar uma concessionária de automóveis?
Há muito esforço por parte de montadoras para conquistar e manter uma elevada participação de mercado e isso tem uma razão comercial e estratégica. Abastecer uma grande rede de concessionárias, presente em todo território nacional e mantê-la saudável, requer maiores volumes de vendas e ampla gama de modelos e versões. Para algumas marcas, porém, a posição em participação de mercado não é tão importante e isso também faz parte de uma estratégia que prioriza, em alguns casos, a rentabilidade da operação e o valor das franquias, mas não é uma regra para todas as marcas com participação de mercado muito baixa. Existe uma fronteira tênue entre a linha de estratégia e de conflito entre as fabricantes e as concessionárias.
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Conquistar ou perder “market share” impacta diretamente no Fundo de Comércio, na imagem de marca e no valor de revenda dos veículos usados. Quanto às redes de concessionárias, elas se beneficiam com o aumento das vendas e do parque circulante, o que viabilizará ações de absorção do pós-venda. Se a rede for bem administrada pela montadora é inevitável o fortalecimento do canal de distribuição. Rede forte, marca forte! Esta frase eu ouvi, pela primeira vez, no início da década de oitenta.
O Fundo de Comércio no setor automotivo e o valor das empresas
Calcular o impacto de um único ponto percentual de participação de mercado da marca no seu Fundo de Comércio é bem mais complexo que as tradicionais fórmulas de avaliação de empresas que, em geral, utilizam múltiplos de EBITDA ou fluxo de caixa descontado. O cálculo correto deve englobar elementos específicos do negócio automotivo e as fórmulas utilizadas na avaliação de empresas de outros setores, não funcionam aqui.
A definição de Fundo de Comércio no mercado automobilístico vai muito além daquela aceita jurídica e contabilmente, como sendo o conjunto de bens e capital, tangíveis ou intangíveis, corpóreos ou incorpóreos, que viabilizam a atividade, o negócio e sua continuidade.
O valor de um ponto percentual de participação no mercado automobilístico deve ser identificado diferentemente por marca e cada caso é um caso. É por meio desse cálculo que definimos, por exemplo, quais redes de concessionárias podem ser chamadas de “Blue Chips”. Ele leva em conta a análise da vida útil dos veículos vendidos, com comportamentos diferentes do parque circulante em curto, médio e longo prazos.
Por que tudo isso? Porque a absorção do pós-venda é um conceito fundamental no negócio, tanto para montadoras, quanto para as concessionárias. Administrar esse ativo requer competência e depende da previsibilidade do futuro da própria marca. Como exemplo, pense em um empresário que comprou uma concessionária Ford automóveis há dois anos, sem analisar a “desconstrução” do fundo de comércio da marca, coisa que a linha de participação de mercado já vinha sinalizando, claramente, há muito tempo. Agora, imagine que ele tenha pago ágio pela “bandeira” e apostado na rentabilidade futura do pós-venda para bancar os custos fixos da operação. Uma adequada análise não o teria levado a tal investimento.
Fatores que não podem faltar na equação do Fundo de Comércio
Além do histórico do desempenho comercial da marca e rentabilidade das áreas de vendas e pós-venda, fatores como índices de retenção dos clientes, recompra dentro da própria marca e ponto de fuga, são muito importantes. Uma boa forma de resumir esse conceito é quando o cliente deixa de frequentar a rede de concessionárias ao término do período de garantia (ou até mesmo antes disso) e passa a comprar peças e serviços no mercado não oficial. O ponto aqui não é ter perdido o cliente ao término do período de garantia, mas sim, compreender os elementos que fizeram a marca perder o cliente desde o primeiro dia da venda do veículo novo.
Calcular o valor do negócio no setor automotivo requer vivência e ampla visão das peculiaridades da cadeia logística, manufatura, operações comerciais, gestão da rede de distribuição e comportamento do consumidor. Este é um bom exemplo de uma análise automotiva que não pode ser realizada por algoritmos binários, ou por inteligência artificial.
Ainda vale a pena comprar uma concessionária de veículos?
Se você já atua no mercado de distribuição de veículos e possui uma boa dose de resiliência, a resposta é sim! Apesar dos altos e baixos da economia, que sempre existiram, o mercado automobilístico brasileiro continuará em crescimento por muito tempo e acompanhará a chegada das novas tendências da mobilidade. As redes de concessionárias construíram o parque circulante que temos hoje, passaram por vinte crises nos últimos quarenta anos e continuarão fazendo parte das novas formas de relacionamento com os consumidores. Contudo, se você não é do ramo e pretende entrar nele, recomendo cuidado e muito estudo. Capital intensivo com rentabilidade variável, esse negócio pode causar dores de estômago, mas também, dar muitas alegrias.
Há um processo contínuo de consolidação de algumas redes e quando uma concessionária é colocada à venda a lista de interessados é enorme, geralmente investidores que já fazem parte da própria rede. Esse cenário, infelizmente, não é realidade para todas as marcas, principalmente para aquelas com “market share” muito baixo e futuro incerto.
Considerando o tamanho do nosso mercado, para uma marca manter a rede de concessionárias operando, por um período apenas, é necessário deter mais de 3% de participação e previsibilidade comercial. Com exceção de marcas premium, que possuem redes menores e maiores margens de comercialização em veículos, peças e serviços, algumas operações com pouco parque circulante e vendas inexpressíveis, navegarão entre três alternativas: crescer organicamente, crescer por aquisição ou repensar o negócio. As três alternativas se apresentam em um momento de redesenho de modelo de negócios, ascensão da mobilidade inteligente e adoção de novas matrizes energéticas. O Brasil pode ser um “player” interessante para esse mercado, atuando nas duas pontas de uma nova matriz, seja com a geração de energia limpa e renovável por fontes fotovoltaicas, eólicas e hidráulicas, seja como maior produtor mundial de Etanol.
Nota: Acompanhem, atentamente, o projeto a ser desenvolvido em conjunto entre a Volkswagen do Brasil e a ÚNICA (União da Indústria da Cana de Açúcar), com a finalidade de converter o etanol líquido em células de combustível, para abastecer os carros elétricos. Se bem-sucedido, fará a diferença para o país, no setor automotivo.
Conquistar espaço no mercado, no Brasil, é função da capilaridade, rede capitalizada, produto adequado, pós-venda estruturado, imagem de marca, atitude comercial, inteligência de mercado, maturidade de gestão, conhecimento do território, compreensão da cultura e também, um pouco de humildade.
Quanto ao impacto de um único ponto percentual de “market share” no Fundo de Comércio, para um mercado brasileiro de três milhões de veículos por ano, poderá representar, segundo cálculos da MA8, até duzentos e cinquenta milhões de dólares por ponto percentual, dependendo da marca, da posição em participação, tradição, histórico e do parque circulante.