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Fabricantes retiram descontos, crédito continua caro e vendas dos modelos mais baratos perdem fôlego
Passada a euforia inicial com o Programa Carro Sustentável, lançado em meados de julho com a eliminação do IPI sobre os modelos 1.0 mais baratos do mercado, a realidade mostra que os preços e os juros dos financiamentos continuam insustentáveis para sustentar crescimento maior das vendas.
O vice-presidente da República e ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio, Geraldo Alckmin, um dos patrocinadores do programa no governo, por três fins de semana seguidos visitou pessoalmente concessionárias de diversas marcas para comprovar o esperado sucesso do Carro Sustentável, com descontos concedidos pelos fabricantes que superavam bastante a redução do imposto.
Nas lojas visitadas as notícias ouvidas por Alckmin eram de que havia dobrado a demanda pelos seis modelos incluídos no programa, enquanto números da Anfavea apontavam para alta de 16,7% nas vendas de varejo em julho, na comparação com o mesmo mês de 2024, e a Fenabrave apurou, nos onze primeiros dias úteis de agosto contra idêntico intervalo do ano passado, crescimento de 14% nos emplacamentos dos carros isentos do IPI. Foram avanços significativos em contraposição ao desempenho retraído do mercado de veículos leves.
Fechado o mês de agosto, no entanto, o desempenho do Carro Popular perdeu força. Os seis hatches mais vendidos do programa – Volkswagen Polo, Fiat Argo e Mobi, Chevrolet Onix, Hyundai HB20 e Renault Kwid – somaram 48,3 mil emplacamentos, em alta de apenas 1,6% sobre agosto de 2024, mas ainda assim um índice positivo diante da queda de 6,8% das vendas gerais de veículos leves na mesma base comparativa, segundo levantamento da consultoria K.Lume.
Retirada de descontos
O desempenho variou bastante de modelo para modelo. Sempre comparando agosto deste ano com o de 2024, o carro mais vendido do País e do programa registrou queda de 9,6% nos emplacamentos, provavelmente porque a Volkswagen reduziu o desconto concedido para o Polo Track de 12%, anunciado logo no início do programa, para apenas 3,2% no valor cobrado antes da isenção do IPI, fazendo o preço subir de R$ 84,4 mil para R$ 92,6 mil em setembro, conforme consta no site da fabricante.
Fiat Argo Drive AT 2026 (Foto: Divulgação/Stellantis)
Os dois Fiat no programa, Argo e Mobi, registraram crescimento expressivo da vendas de, respectivamente, 30% e 47,7%, na comparação com agosto do ano passado.
No mês passado o Argo foi vendido com bom desconto de R$ 10 mil, mas no início de setembro o valor da versão Drive 1.0, vendida por R$ 92 mil, voltou a ser quase igual ao praticado antes do Carro Sustentável, apenas 1% mais baixo.
O Mobi teve pequena alteração de apenas 2,5% no preço, acomodando praticamente só o desconto equivalente à isenção do IPI, e ficou com valores inalterados desde então, com a versão mais barata, a Like, anunciada no site da Fiat por R$ 79 mil, ou R$ 2 mil a menos do que era cobrado antes do programa.
O mesmo ocorreu com o carro mais barato do mercado, o Renault Kwid, que teve aumento de 5,3% nas vendas de agosto em comparação com o mesmo mês do ano passado. Na segunda quinzena de julho o valor da versão Zen baixou apenas 2,4%, ou R$ 2 mil, e se manteve em R$ 78,7 mil no início de setembro.
Ou seja: o efeito do Programa Carro Popular no aumento das vendas dos dois carros mais baratos do mercado brasileiro foi muito mais psicológico, pois os descontos foram – e são – mínimos.
O Chevrolet Onix foi renovado recentemente e seus valores são os mais altos dentre todos os hatches habilitados no Carro Sustentável. Em 1º de setembro a versão mais barata 1.0 do modelo estava anunciada no site da fabricante, na concessionária Carrera da Lapa, em São Paulo, por R$ 101,7 mil, com desconto promocional informado de R$ 3 mil. Com preço tão elevado para um veículo desta categoria, não por acaso, os emplacamentos do Onix caíram 35,5% em agosto sobre o mesmo mês de 2024.
O Hyundai HB20 1.0 aspirado, que após o início do programa ganhou desconto de 10%, custando em torno de R$ 10 mil a menos, manteve os preços até o início de setembro, de R$ 85 mil para a versão Comfort e de R$ 89 mil para a Limited, e assim sustentou alta de 6,9% nas vendas de agosto.
Alcance limitado
Ainda que o Carro Sustentável tenha ajudado a impedir queda maior do mercado, o desempenho até aqui mostra que zerar o IPI de meia dúzia de modelos – que já pagavam a menor alíquota do imposto – tem alcance limitado.
Os descontos concedidos pelos fabricantes – muitos deles já reduzidos ou retirados – fez muito mais efeito do que a pequena redução da carga tributária, o que só comprova que os preços de veículos zero-quilômetro continuam inalcançáveis para a renda média nacional, e muito mais distantes da realidade do potencial comprador dos carros mais baratos do mercado, ainda caros para a maioria da população.
A combinação de preços altos com crédito caro é ainda mais nefasta. Com a Selic parada nas alturas de 15% ao ano, os juros para pessoas físicas nos financiamentos de carros atingiram a média 27,6% ao ano, segundo dados mais recentes do Banco Central. Nos últimos doze meses terminados em julho este custo aumentou 2 pontos porcentuais e as novas concessões de financiamentos cresceram apenas 1,2% nos sete primeiros meses deste ano, apontando para estagnação agora e futura queda na abertura de crédito para compra de veículos. Acompanha o cenário restritivo a inadimplência que avançou 1,1 ponto este ano, para 5,3%.
Neste cenário de preços e juros nas alturas aqueles que ainda têm renda para comprar um automóvel zero-quilômetro provavelmente podem adquirir algo melhor dos que os seis hatches incluídos no Programa Carro Sustentável.
Com isto fica prejudicado o avanço do tripé social, econômico e ambiental proposto pelo Carro Sustentável, pois com volumes baixos o programa pouco contribui para ampliar o acesso ao carro novo, aumentar a produção das fábricas ou reduzir emissões.
O programa poderá evitar tombo maior do mercado este ano mas será preciso fazer bem mais para o mercado voltar a crescer como deveria para ocupar a ociosidade das fábricas.