
Foto: Divulgação/Nissan
No primeiro trimestre vendas diretas a frotistas e promoções no varejo sustentaram o crescimento do mercado, mas custo dos financiamentos nas alturas deve derrubar desempenho
Os emplacamentos de 517,7 mil automóveis e comerciais leves no primeiro trimestre de 2025, em alta de 7,4% sobre o mesmo intervalo de 2024, garantiram o melhor resultado para o período dos últimos cinco anos, em contraposição à maior taxa média de juros da história aplicada aos financiamentos para compra de veículos.
Esta contradição, no entanto, não parece ter fôlego para durar muitos meses mais. Na tentativa débil de conter a escalada da inflação, em três meses o Banco Central já subiu 3 pontos porcentuais a taxa básica Selic, que saiu de 11,25% ao ano no início de dezembro passado para 14,25% em março – e a perspectiva é chegar a 15% até o fim deste semestre.
O resultado já se reflete nos juros cobrados nos financiamentos de veículos, que alcançaram o maior nível histórico segundo monitoramento do próprio BC. Em janeiro deste ano, último dado disponível, a taxa média para pessoas físicas chegou a inacreditáveis 29,5% ao ano, uma alta de 3,4 pontos porcentuais em doze meses, com spread de também inacreditáveis 16,25 pontos sobre a Selic catapultada de 12,25% para 13,25% no fim daquele mês.
Esta alta no custo do financiamento de veículos ocorreu apesar do cenário de inadimplência nos menores níveis históricos, de 4,4% em janeiro.
Também está em vigor há mais de um ano a regulação do Marco de Garantias, que permite aos bancos retomar mais rápido o carro de clientes inadimplentes sem necessidade de autorização judicial, o que em tese deveria reduzir riscos e taxas e aumentar o apetite das financeiras em aprovar o crédito – este sistema, no entanto, ainda está sendo morosamente adotado e até agora fez pouco efeito prático, segundo dizem representantes da indústria, das revendas e dos bancos.
Financiamentos crescem com juro alto
Mas se até o momento o risco menor não serviu para reduzir taxas, a alta dos juros também não conteve o crescimento da concessão de financiamentos. Segundo dados da B3, no primeiro bimestre, o número de veículos vendidos a prazo atingiu o maior nível em dez anos. Em fevereiro 82 mil automóveis e comerciais leves zero-quilômetro foram financiados, em crescimento de 20,6% sobre o mesmo mês de 2024 e expansão de 13,6% ante janeiro.
Mesmo com a média de 65% de aprovação nos pedidos de financiamentos, segundo a Fenabrave que representa os concessionários, o volume de veículos leves financiados representou somente 47,4% dos emplacamentos de fevereiro, demonstrando que há, ainda, muito espaço para crescer e chegar ao patamar histórico de 70% das vendas fechadas a prazo, como era corriqueiro até 2019.
As novas concessões de crédito para compra de veículos também continuam em crescimento: em janeiro, segundo o BC, os contratos para pessoas físicas somaram R$ 16,5 bilhões, alta expressiva de 30,1% em doze meses.
O cruzamento de volumes de carros financiados e valores concedidos a pessoas físicas expõe uma tendência que se solidificou nos últimos cinco anos: o aumento dos preços dos automóveis, hoje na média de R$ 140 mil quando se considera todos os modelos à venda, fazendo com que o avanço no número de veículos vendidos a prazo seja menor do que o de valores de crédito concedido para a compra. Em resumo se vende menos por mais.
Vendas diretas e promoções puxam o mercado
Embora o crédito seja instrumento fundamental para sustentar as vendas de veículos, neste início de ano o crescimento do mercado foi lastreado por promoções – que reduzem os preços e fazem a prestação caber em mais bolsos – e pelas vendas diretas de modelos mais baratos a frotistas.
As vendas a locadoras aceleraram no fim de março, com 30 mil emplacamentos somente no último dia do mês, provavelmente em um movimento para aproveitar descontos oferecidos por fabricantes que começam a sentir certa retração do mercado, fazendo o faturamento direto representar mais da metade, 50,8%, dos negócios.
Dentre os veículos mais vendidos de março nota-se maior participação de modelos hatchback que estão na base de preços do mercado e que são tipicamente comprados por frotistas, incluindo locadoras e empresas.
Fiat Argo Drive AT 2026 (Foto: Divulgação/Stellantis)
Por exemplo, o Fiat Argo ascendeu ao posto de carro mais vendido do País no mês passado, com 78% dos emplacamentos contabilizados na classificação de venda direta, em que o fabricante fatura o veículo diretamente ao cliente final, em boa parte das vezes com participação de concessionárias no negócio.
Existem exemplos ainda mais gritantes: o Renault Kwid foi o décimo veículo mais emplacado em março e o quarto por venda direta, que representou 96% dos negócios – o mais alto porcentual de faturamento direto dentre todos os modelos do mercado.
Neste ranking de alto porcentual de faturamento direto a vice-campeã foi a picape Volkswagen Saveiro, oitavo modelo mais emplacado de março, mas o terceiro por venda direta, responsável por 94% dos negócios no mês. O Fiat Mobi, no geral o 11º mais vendido, foi o sexto mais emplacado por venda direta, que representou 92% das compras.
Varejo para poucos
Nos outros 49,2% do mercado em março, das vendas de varejo intermediadas por uma concessionária, o topo do ranking é ocupado por quatro SUVs – pela ordem Honda HR-V, Toyota Corolla Cross, Hyundai Creta e Volkswagen T-Cross, todos modelos mais caros vendidos à vista ou que absorveram a maior parte dos valores das concessões de crédito.
O carro mais vendido no varejo em março, com 89% das compras nesta categoria, foi o HR-V, que ficou em nono na classificação geral do mês. O modelo foi seguido pelo Corolla Cross, sexto no geral e segundo no varejo, que representou 68% das compras.
O Creta, pouco vendido por faturamento direto, mostra com clareza a flutuação do mercado em direção a modelos mais baratos e compras por frotistas. O carro foi o oitavo mais vendido de 2024 e o quinto no primeiro trimestre de 2025, mas em março caiu para a 13ª posição geral e ficou em terceiro no varejo, que respondeu por 89% dos negócios.
O ranking de vendas no varejo comprova que comprar carros como pessoa física em uma concessionária virou aventura de gente com conta bancária bem fornida. Dos dez carros mais vendidos no varejo em março, seis têm preços acima dos R$ 200 mil.
Neste segmento as promoções também fazem efeito, o que colocou o híbrido plug-in BYD Song como sétimo carro mais vendido no varejo em março. No mesmo embalo o elétrico BYD Dolphin Mini ficou na décima posição, fixando presença na lista dos dez mais.
Perda de tração
Essas nuances do mercado no primeiro trimestre, com maior procura por modelos mais baratos, já apontam para perda de tração dos negócios nos próximos meses. O aperto dos juros deve prejudicar tanto as vendas que ainda restam no varejo, embaladas por promoções, como também tira o apetite de frotistas – que inclusive podem estar comprando mais agora para evitar os aumentos de custos que estão contratados no horizonte.
A Abla, associação das locadoras, que nos últimos anos ficaram com 25% a 30% das vendas de veículos no País, reportou crescimento de 9,9% nas compras de 2024, com 649,4 mil unidades adquiridas. Para este ano, no entanto, a entidade estima apenas estabilidade, com projeção que locadoras vão comprar 650 mil veículos, ou até um pouco menos.
Portanto não deve ser por aí que o mercado poderá lastrear seu crescimento este ano. Também há pouca esperança no varejo diante da alta dos juros e inflação incontida que reduz a renda e a confiança do consumidor.
A Fenabrave projeta – e até agora sustenta – projeção de crescimento moderado de 5% nas vendas de automóveis e comerciais leves este ano, para 2,6 milhões de unidades. Já a Anfavea, que reúne os fabricantes, segue esperando um pouco mais: 6,6%, para 2,65 milhões.
Apesar do desempenho de certa forma surpreendente do mercado no primeiro trimestre o cenário prospectivo é de desaceleração. Baseada neste horizonte a Bright Consulting já revisou para baixo sua projeção, tirando 50 mil veículos leves da conta deste ano. A consultoria estima vendas pouco abaixo de 2,6 milhões de unidades e leve alta de 4,7% sobre 2024.
O resumo das análises é que o mercado brasileiro deu um efêmero suspiro de crescimento no primeiro trimestre, sustentado por promoções e grandes compras de frotistas, o que tende a não se repetir nos próximos meses.
Contudo, políticas de descontos – tanto nos preços dos veículos como nas taxas devido à elástica distância de spread existente da Selic para o efetivo juro cobrado no financiamento – e a sempre esperada alguma ajuda do governo podem mudar o horizonte.