A Africa Twin está envolta em uma aura de nostalgia e possui forte DNA de competição, decorrentes de sua ligação direta com a famosa Honda NXR 750 que venceu o rally Paris – Dakar de 1986 a 1989. Como ela se comporta hoje no Brasil frente à competição acirrada do segmento?
Para começarmos a responder à pergunta do título desta matéria, vamos falar um pouco da história deste modelo icônico da marca japonesa.
Como tudo começou?
Na década de 1980 a Honda teve um enorme sucesso com seu protótipo NXR 750 em consequência das vitórias no Rally Paris – Dakar, tanto que comercialmente foi lançado um modelo “amansado”, a Honda XRV 650 Africa Twin, inspirada na aparência e características técnicas da NXR 750. Essa 650 possuía um motor dois cilindros em V refrigerado a líquido, comando simples no cabeçote, três válvulas e duas velas por cilindro (o famoso Twin spark usado em vários outros motores de carros e motos). O peso era de 195 kg, com 57 cv e torque de 6,2 kgfm. Chassis de berço semi-duplo de aço de perfil retangular, suspensões dianteira e traseira reguláveis, com sistema Pro-link e freios a disco dianteiros e traseiros completavam o pacote admirável para a época. Dois anos depois o motor subiu para 750cc, mas mesmo assim vale lembrar que estamos falando de uma moto de quase 40 anos.
Material publicitário usado à época pela Honda:
“Um motor V-Twin vitorioso no inferno do Paris – Dakar”
As fotos de material publicitário remetiam ao sucesso da Honda no Rally Paris – Dakar. Quem não se lembra das edições da década de 1980 dominadas quase que totalmente pelos franceses Cyril Neveu, Hubert Auriol e do belga Gaston Rahier? E como esquecer do domínio Honda nesta década de 80, conquistando 5 vitórias e do domínio da Yamaha na década de 90 com suas YZE750T e YZE850T que venceram 7 vezes? Certamente quando Thierry Sabine se perdeu na Libia durante o Rally Abdijan-Nice em 1977 e decidiu criar o Paris Dakar em 1979 não imaginava que iria povoar o imaginário de tanta gente que ama as duas rodas, sejam eles apreciadores de motos clássicas, speed, naked ou trail. Sabine morreu em 1986 em um desastre de helicóptero no Mali, mas continua vivo em nossas memórias. E quando falamos de uma Honda Africa Twin ou de uma Yamaha Teneré, não há como não lembrar dele!
Vamos agora falar sobre a Africa Twin escolhida para a avaliação.
Para esta avaliação decidimos pegar o modelo de entrada da Africa Twin, a CRF 1100L mecânica, R$ 21 mil mais em conta que a de topo, a Adventure Sports (R$ 102 mil), que conta com alguns “features’ a mais entre os quais suspensões reguláveis eletronicamente, tanque maior e pára-brisa com regulagem de altura, entre outros. Para nós, a mais competitiva em termos de preço é a de entrada. Vale ressaltar que ambas podem ser equipadas com câmbio automático de dupla embreagem (DCT – Dual Clutch Transmission) por R$ 7 mil reais. Pessoalmente não gosto de moto sem embreagem, pois parte da “graça” em se pilotar está em ter o pleno controle do binômio câmbio/motor, tanto em carros como em motos. Nas motos ainda mais, uma vez que a embreagem SEMPRE ajuda em manobras em baixas velocidades. Mas é uma questão de gosto, neste caso literalmente do “freguês”…
A primeira coisa a ser dita é um tanto óbvia: a moto é linda. Chama atenção por onde passa. Não há quem a olhe e não rasgue elogios pelo visual acertado das três cores características da HRC – Honda Racing Corporation, subsidiária da Honda que desenvolve carros e motos de corrida: azul, vermelho e branco.
Uma vez a postos na moto e após alguns quilômetros rodando (com grande medo de ser assaltado na inviável cidade de SP), pegamos a estrada e percebemos uma grande qualidade da moto, a ciclística impecável. Associada a um câmbio de escalonamento acertado e a um belo motor bastante elástico (99,3 cv a 7.500 rpm e 10,5 kgf.m a 6.000 rpm), ela é uma delícia de pilotar, fato também ajudado pelo peso de apenas 206 kg! Freios excelentes e eletrônica de primeira satisfazem os mais aficionados por telas de TFT no painel (eu particularmente não gosto, mas é uma tendência atual e gosto não se discute, mas se aceita). Pode-se brincar com a várias regulagens de modo de condução, anti-wheeling e etc. Está tudo lá, por mais que tenho a convicção que tudo isso muito pouco será usado depois de algumas semanas com a moto!
Posição de dirigir? Aqui um comentário merece ser feito. Esta moto é ideal para quem tem mais de 1,80m sem sombra de dúvida (o que não é meu caso), mesmo sendo super leve e colocando o banco na regulagem mais baixa que ajuda a diminuir a altura do solo em bem-vindos 2cm. Tirando este detalhe, ela entrega uma pilotagem confortável e extremamente prazeirosa.
Mas então só há elogios à CRF 1100L Africa Twin?
Claro que não. Em conversa com proprietários deste modelo pudemos observar algumas críticas interessantes:
1) Os controles da manopla esquerda que comandam o menu de settings da moto não são intuitivos. Além disso, a posição natural do polegar esquerdo que sempre fica “esticado” para se dar um toque de segurança na buzina fica em cima dos controles do menu que citamos antes. Pode parecer uma besteira, mas quando você precisa buzinar para alguém não te acertar e jogar no chão e você não “acha” a buzina, a coisa “pega”. Ok, esta moto é para ser usada mais na estrada ou fora de estrada então a buzina se usa pouco. Entretanto, uma análise ergonômica mais sob a ótica do “usuário padrão” teria sido bem vinda;
2) O para-brisa não é regulável no modelo de entrada, mas apenas na Adventure Sport, bem mais cara. Não entendo esta economia. Não precisaria ser uma regulagem elétrica de altura, mas uma regulagem mecânica mesmo já resolveria. Custa pouco e agrega bastante. No mínimo, pega mal não ter regulagem de altura numa moto deste porte;
3) O acabamento de algumas soldas aparentes (veja fotos abaixo). Isso foi criticado por muitos donos do modelo e por donos de concorrentes diretas. As soldas não aparentam um bom acabamento; há excesso de material de solda e ela não é uniforme. Alguém pode dizer que isso dá uma maior robustez nas peças, mas para muitos que são “chatos” com acabamento, isso é importante e contou vários pontos negativos;
4) O preço. Aparentemente, R$ 81 mil parece ok para uma moto como essa, mas a concorrência se mexeu e muito. Essa Honda custa R$ 8 mil a menos (10%) que a Triumph Tiger 1200 Black Edition, que tem um motor tricilíndrico muito mais forte: são 150cv (50cv a mais!!!), 13 kgfm de torque (2,5 kgfm a mais!!!), eixo cardã ao invés de corrente, quick shifter bidirecional e manoplas aquecidas de série, apesar de ter ao redor de 24 kg a mais que a Honda (230 kg x 206 kg). Ok, você prefere uma italiana? Veja a Ducati Deserter X, com motor Testastretta de 937cc, 110cv e 9,5 kgfm de torque e toda a eletrônica de que os “ducatisti” tanto se gabam, pesando apenas 5 kg a mais que a Honda (211 kg x 206 kg). Esta Ducati foi lançada por R$ 98 mil e agora está com bônus de R$ 10 mil, saindo por R$ 88 mil.
Soldas que foram criticadas por proprietários e não proprietários: alça de apoio traseiro garupa (preto) à esquerda na foto, quadro em treliça vermelho (no centro da foto) e acabamento em “L” (branco) à direita na foto.
A pergunta de 1 milhão de dólares: eu compraria esta Honda CRF 1100L Africa Twin de entrada?
Esta não é uma pergunta tão óbvia de ser respondida.
Aqui há muitas coisas a serem avaliadas, emocionais e racionais. A moto é lindíssima, um dos visuais e arranjo de cores mais bonitos que vi na vida. É um excelente produto. Baita ciclística, super leve, motor torcudo e elástico e câmbio excelente. A capilaridade da rede de concessionárias Honda é um ponto a favor da moto, sem sombra de dúvida. Mas o preço deve ser levado em conta, sempre. Por R$ 8 mil a mais você pega uma Triumph Tiger 1200 de entrada ou uma Ducati Deserter X. E por R$ 11.500 reais a MENOS você pega uma Triumph Tiger 900 GT que tem um motor tricilíndrico de 888cc que entrega 110cv e 9 kgfm de torque. Ok, sem cardã e outras sutilezas, mas ela custa menos de R$ 70 mil…
Em resumo: meu coração amou a CRF 1100L Africa Twin e amaria tê-la na minha garagem, até pela história que este ícone do rally carrega. Me senti meio André Azevedo e Klever Kolberg andando no Paris – Dakar, por mais que eu estivesse apenas andando na Estrada dos Romeiros perto de SP! Meu cérebro, entretanto, provavelmente me direcionaria a uma Tiger 1200 de entrada ou uma Tiger 900 de entrada, sendo que além de tudo ambas possuem um motor 3 cilindros cujo ronco eu amo. E entre as duas Triumph meu lado racional talvez me obrigasse a fazer um Pix para uma Tiger 900 GT: mais leve e fácil de andar no misto de cidade/estrada. E com a diferença de R$ 11.500 reais compraria um belo conjunto de acessórios como protetor de motor, tanque e conjunto de malas de alumínio e ainda sobraria algo para ajudar no seguro.
E não esqueça nunca o nosso mantra: pilote sempre com responsabilidade. Mas jamais esqueça que o capacete ouve os demônios de tua cabeça, o escapamento grita o que tua garganta não consegue gritar, a suspensão aguenta os teus altos e baixos emocionais. E a moto te leva a lugares reais e imaginários que nenhum outro veículo te leva. E junto com os cachorros, ela é o melhor amigo do Homem, sempre.