Carro movido a hidrogênio é uma via que se mostra mais viável para um futuro próximo (Foto: Divulgação/Hyundai)
Desde a assinatura do Acordo de Paris em 2015, devido à exigência de redução de emissões de gases que causam o efeito-estufa, o mercado automotivo mundial vem atravessando uma transformação no mercado automotivo com o surgimento de diversos veículos elétricos e híbridos. Isso fica claro não só com a popularização recente de modelos da Tesla e mais recentemente com a “invasão chinesa” de veículos da BYD e GWM, mas também com a tendência crescente de eletrificação de modelos fabricados por montadoras europeias, americanas e asiáticas já conhecidas do grande público.
O aquecimento global é uma realidade que precisa ser combatida a todo custo, e obviamente os veículos à combustão também têm contas a acertar nesse aspecto. As normas de emissão de poluentes estão ficando cada vez mais rígidas, a ponto desses modelos passarem a ser totalmente proibidos na Europa a partir de 2035. Entretanto existem diferenças significativas em termos de infraestrutura e de matriz energética entre o Brasil e os outros países, as quais têm de ser levadas em conta na nossa transição para motores mais ambientalmente corretos.
Na América do Norte, Europa e Ásia a maior parte da energia provém de combustíveis fósseis, enquanto o Brasil apresenta uma matriz energética limpa baseada em fontes renováveis e diversificadas. E isso também se reflete na nossa frota, que já utiliza o etanol há pelo menos quatro décadas – um combustível limpo e abundante de norte a sul do país.
A pergunta é: será que devemos mesmo embarcar nessa onda de veículos elétricos assim como têm feito outros países?
A resposta é sim, mas com um toque verde e amarelo.
Enquanto não tivermos infraestrutura boa o suficiente para não nos preocuparmos com a autonomia da bateria, a distância a percorrer, a disponibilidade de estações de recarga ao longo do caminho e no destino final, continuaremos em boa medida dependentes dos modelos à combustão ou, na melhor das hipóteses, dos híbridos. Isso porque qualquer que seja seu destino, no Brasil existem postos de combustível em qualquer lugar por mais ermo que seja, inclusive em cidades minúsculas ou na beira de qualquer estrada.
E ainda que existam estações de carregamento no seu destino, algumas delas podem estar quebradas e outras ocupadas. Então se sua bateria estiver no final e você não dispuser de tempo para esperar, ou se seu veículo não for movido a outra fonte alternativa de energia que não seja exclusivamente elétrica, prepare-se para passar maus bocados.
Mercedes-Benz EQ recarregando no wallbox (Foto: Divulgação/Mercedes-Benz)
Para quem dispõe de carregador na residência e/ou no local de trabalho onde seja possível deixar o carro carregando por horas (sem depender de estações de carregamento ao longo do trajeto ou no destino final), o modelo 100% elétrico sem sombra de dúvida é uma excelente alternativa tanto do ponto de vista da economia como também ambiental. Mas não para viagens mais longas, pois nesse caso até mesmo o veículo híbrido apresenta uma desvantagem em relação ao seu equivalente à combustão: depois de acelerar por mais de 100 ou 150 quilômetros de forma constante em uma estrada, a energia da bateria irá se esgotar e você se verá dirigindo um carro 100% movido a gasolina ou etanol porém consumindo bem mais combustível devido ao peso extra da bateria.
Já os modelos 100% elétricos apresentam autonomia por volta de até 500 km, porém em determinado momento você terá de parar para recarregar a bateria pois em uma viagem longa sem trânsito e com poucas frenagens, o sistema de regeneração de energia não dará conta dessa tarefa. Mas para rodar na cidade ou em viagens curtas, os elétricos e os híbridos de fato são uma excelente opção, principalmente devido à economia de combustível.
Por outro lado, para além dos motores à combustão e dos elétricos ou híbridos, no Brasil existe uma terceira via em fase de pesquisas que se mostra mais viável para um futuro próximo: o veículo movido a célula de combustível a etanol. Nesse sistema, após abastecer o automóvel em um posto comum, um catalisador quebra a molécula do etanol extraindo dela o hidrogênio, que por sua vez é injetado em uma célula a combustível de óxido sólido a qual por meio de uma reação química converte o gás em eletricidade, que é armazenada em uma bateria que alimenta o motor elétrico do veículo.
Hyundai Nexo 2024, movido a hidrogênio (Foto: Divulgação/Hyundai)
A grande vantagem dessa tecnologia é que, ao contrário de outros países onde o carro é abastecido nos postos diretamente com hidrogênio puro, no Brasil não será necessária a criação de toda uma infraestrutura para operar com esse gás uma vez que ele será gerado a partir da quebra da molécula do próprio etanol dentro do reator do veículo. Além disso esse sistema não ocupa tanto espaço no veículo como ocorre com os enormes tanques de hidrogênio do Toyota Mirai e de modelos da BMW que também são abastecidos diretamente com hidrogênio. Nos testes que vêm sendo conduzidos pioneiramente pela Nissan em parceria com institutos de pesquisa no Brasil há alguns anos, com um tanque de apenas 30 litros de etanol é possível rodar mais de 600 quilômetros.
Em outras palavras, dentro de alguns anos quando estiver disponível em escala comercial, essa tecnologia promissora eliminará a preocupação com a autonomia e necessidade de recarga das baterias dos veículos elétricos uma vez que ela irá aproveitar toda a infraestrutura dos postos de combustível já existente atualmente e o etanol indiretamente fará o papel de “recarregador contínuo” da bateria por meio do hidrogênio.
O hidrogênio é muito mais limpo e possui poder calorífico 3 vezes maior do que a gasolina e o diesel, porém ele demanda muita energia para ser produzido – vale destacar que na eletrólise da molécula de água gasta-se mais eletricidade para produzir o hidrogênio do que na eletrólise do etanol. Além disso, por ser produzido a partir de um combustível renovável, o hidrogênio obtido do etanol pode ser classificado como verde a exemplo daquele produzido por exemplo com a utilização de energia eólica ou solar – fontes igualmente renováveis.
Por enquanto o veículo movido a célula de combustível a etanol ainda está em fase de testes, porém suas vantagens em relação aos carros elétricos são tão evidentes que já existem consórcios de grandes montadoras investindo no desenvolvimento dessa tecnologia em parceria com a USP, Unicamp e institutos de pesquisa no Brasil. E seu potencial não está restrito apenas localmente, visto que existem muitos outros países que também são grandes produtores de etanol como os Estados Unidos, a China e a Índia – para mencionar apenas alguns. Ou seja, existe escalabilidade global.
Em relação à sua frota de veículos, o Brasil pode e deve sim seguir o caminho sem volta do combate ao aquecimento global; porém não precisa necessariamente adotar as mesmas soluções de outros países, onde ultimamente as vendas de carros elétricos têm arrefecido em virtude de problemas de autonomia e de infraestrutura de recarga como os descritos neste artigo (sim, eles também existem lá fora) – sem falar na sua alta desvalorização e custo de manutenção. Tudo isso junto faz com que 51% dos proprietários de modelos da Tesla planejem voltar para veículos à combustão segundo pesquisa recentemente conduzida pela consultoria McKinsey.
Foto: Reprodução
Moral da estória: o Brasil não tem que seguir uma tendência de outros países só porque ela é ambientalmente correta. Alíás, na verdade não deixa de ser uma contradição dirigir carros movidos a eletricidade em países cuja matriz energética é majoritariamente poluente. Ao invés disso, precisamos seguir nossa vocação natural – liderar a transição energética global aproveitando aquilo que temos de melhor e mais abundante: fontes de energia limpa, renovável e diversificada.
Nosso futuro está em desenvolver mais biocombustíveis e veículos movidos ou eletrificados por meio deles. E com isso, ao contrário dos gringos, reduzir a dependência de baterias enormes feitas com metais escassos e de uma infraestrutura caríssima para recarregá-las.
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