Governo aceitou proposta da Anfavea para retardar ao máximo a criação de um mercado com carros zero emissão; e isso é ruim
O governo Lula-Alckmin cedeu aos argumentos da Anfavea para dificultar ao máximo possível a criação de um mercado de carros zero emissão de carbono. O principal argumento da Anfavea foi o de sempre: demissões.
Foi uma negligência climática por parte do governo, num momento em que o Brasil registra recordes de altas temperaturas e sofre com uma série de fenômenos incomuns no país, como tornados, primeira região com aridez desértica, pequenos tsunamis e quatro meses de aquecimento inédito.
Por óbvio, o Brasil sozinho não pode resolver o problema do clima do planeta. Mas, pelos terríveis sinais que temos em 2023, parece que o outrora abençoado “patropi” será uma das regiões mais afetadas pelo aquecimento global. Para um grupo de pesquisadores da Noruega, o planeta já atingiu o ponto de não retorno à normalidade climática, que era previsto só para 2050.
A Anfavea não existe para cuidar do clima e sim dos interesses comuns de suas associadas. Por isso, ela tem todo direito de tentar barrar a chegada de novas tecnologias, para prolongar a produção de veículos a combustão, enquanto as montadoras tradicionais tentam recuperar o atraso tecnológico de seus carros na questão ambiental.
Segundo a consultoria Jato Dynamics, só os veículos flex emitem, em média 103,64 g de CO2 por km rodado. O gás carbônico é responsável pelo aquecimento global, por isso a indústria automobilística do mundo inteiro corre para descarbonizar o setor.
No Brasil, só os 10 carros mais vendidos emitem 12 toneladas de gás carbônico já no primeiro quilômetro rodado. Se considerarmos apenas 1.000 km de cada um desses carros, chegamos ao espantoso número de 12 mil toneladas de CO2 jogadas na atmosfera.
Por enquanto, a única alternativa global viável economicamente para uma mobilidade zero emissão de carbono é o carro elétrico a bateria.
O governo Lula-Alckmin, que tem um discurso a favor do clima, foi incoerente na taxação intempestiva dos carros zero emissão ou baixa emissão de carbono. Acreditar que carros híbridos flex (com 70% do uso de gasolina) vão descarbonizar o país não é só ingenuidade, é negligência climática.
A produção de etanol combustível ainda deixa uma grande pegada de carbono e depende da boa vontade dos usuários de carros flex. Os interessados nessa tecnologia falam na redução de 95% a 98%. Mas, segundo a AEA (Associação Brasileira de Engenharia Automotiva), se um veículo flex usar somente etanol, a redução de CO2 pode chegar somente a 55% no ciclo do poço à roda.
Enquanto não existe um consenso sobre a real pegada de carbono do carro a etanol, a tecnologia das baterias avança e se torna cada vez mais viável, com a adoção de baterias de estado sólido (menores e mais duráveis) e até de baterias de sódio e areia (muito mais abundantes e baratos do que o lítio).
No momento, o mercado de 2 milhões de veículos do Brasil tem apenas 0,5% de carros elétricos. É exagero dizer que esse pequeno volume coloca os empregos do setor em risco, especialmente ignorando as oportunidades econômicas que vêm com a criação da infra-estrutura de uma mobilidade realmente livre de carbono.
Há medidas protecionistas inteligentes, mas esta foi uma medida protecionista quase cretina, no sentido de acentuada deficiência mental (não tem a ver com caráter, aqui). Se a taxação tivesse vindo em doses menos cavalares, digamos 5% ao ano, a partir de 2025, seria inteligente, pois daria tempo para o Brasil criar uma base para a mobilidade sem carbono.
Do jeito que veio, com 10% em janeiro de 2024 e 18% já em julho do ano que vem, é para dificultar a concorrência mesmo, notadamente da BYD, da GWM e da Volvo, que são as três marcas com carros elétricos a preços que competem diretamente com os atuais carros a combustão.
O Brasil tem o maior potencial do planeta para fabricar carros elétricos zero emissão sem pegada de carbono, graças à matriz energética limpa (tem hidrelétricas, tem sol abundante e tem muito vento). Mas, com a decisão do governo de taxar os importados elétricos, tudo indica que essa nova mobilidade ecológica ainda vai demorar.
Só no Vale do Jequitinhonha, em Minas Gerais, terra do mal-informado governador Zema, há potencial para abastecer a necessidade de lítio para as baterias de 700 mil carros elétricos. Essa capacidade será de 1,5 milhão em 2025 e de 2 milhões de veículos elétricos em 2026. Tudo isso vai ser entregue para a produção de carros zero emissão em outros países.
Com o novo Imposto de Importação, nada indica que o Brasil terá um robusto mercado de carros elétricos zero emissão nos próximos 15 ou 20 anos. A menos que os fatos atropelem a política reacionária pró-combustíveis fósseis. O Brasil decidiu proteger o mercado para a produção de carros híbridos flex que continuarão sendo uma fornalha para o planeta cada vez mais quente.
Os primeiros carros elétricos nacionais, que poderiam chegar em 2026 custando cerca de R$ 120/130 mil, podem até chegar nessa data, porém estarão bem mais perto dos R$ 200 mil. Segundo uma projeção do site Carro Esporte Clube, o BYD Dolphin, que hoje custa R$ R$ 149.800, deve passar a custar R$ 164.780.
A sorte está lançada e o Brasil não será um país relevante no milionário e sustentável mercado de carros elétricos que dominará no mundo a partir de 2026 ou 2027. Será um mercado exótico, de carros híbridos que permitem uso do etanol, mas que usam gasolina em 70% dos casos. Um paraíso para Shells, Texacos e Ipirangas.
Para além disso, quase nada se fala do quanto a agropecuária superaquece o planeta, sem que tenha a mesma cobrança da indústria automobilística. Não duvidamos das boas intenções de Lula e Alckmin como governantes. Mas agora duvidamos que eles possam fazer diferença num mundo que superaquece. Apenas não serão incendiários como outros. É pouco.