Não é coincidência que as duas principais marcas da aliança franco-nipônica tenham anunciado investimentos robustos em nosso mercado
Muita gente se surpreendeu com os recentes volumes de investimentos anunciados por Renault e Nissan para o Brasil nos próximos anos. Este singelo colunista já informara, em agosto deste ano, que a marca francesa preparava uma ofensiva com diversos novos produtos derivados da plataforma CMF-B para nosso mercado.
A primeira parte do plano, estimada pela própria companhia em R$ 2 bilhões, já tem confirmados o SUV de entrada Kardian e a versão de produção da picape conceito Niagara, ambos apresentados recentemente a jornalistas sul-americanos.
O primeiro será feito em São José dos Pinhais (PR), junto do inédito motor 1.0 TCe turbo flex de até 125 cv de potência e 22,4 kgfm de torque, aliado ao câmbio automatizado EDC, de dupla embreagem. A segunda, na Argentina, com direito a uma irmã gêmea Nissan e possível motorização híbrida flex com tração 4×4.
Mas a lista não ficará só neles. Há pelo menos outros três produtos com produção na América do Sul em curso. Para 2025, a marca já prepara uma derivação SUV cupê do Dacia Duster de terceira geração. Com visual e carroceria bem diferentes, não se chamará Duster no Brasil e conviverá com o Duster B0, que será reestilizado no ano que vem.
Já o Dacia Bigster, aquele SUV de sete lugares apresentado como conceito no evento Renaultlution, em 2021, deve chegar em 2026, também com visual drasticamente modificado para receber a insígnia da Renault e outro nome no mercado nacional. O objetivo da marca é se dissociar por completo da subsidiária romena de baixo custo.
Por fim, teremos a picape média Alaskan profundamente reestilizada, também prevista para vir entre 25 e 26, e desta vez com lançamento “mandatório” no Brasil.
Já a Nissan ampliou de R$ 1,2 bilhão para R$ 2,8 bilhões seu plano de investimentos para o Brasil nos próximos anos. Além da segunda geração do SUV compacto Kicks, a marca japonesa produzirá outro SUV na fábrica de Resende (RJ) entre 2025 e 26, de porte e posicionamento ainda incertos, mas certamente compartilhando a base CMF-B com o irmão.
Também anunciou que produzirá um novo motor turbo na região. Minha aposta é que seja o 1.3 TCe, a ser aproveitado tanto por seus produtos quanto pelos Renault nacionais. Seria uma estratégia complementar à nacionalização do 1.0 TCe a ser feito pela coirmã francesa no Paraná.
Lembremos que a produção de motores da aliança franco-nipônica foi terceirizada a uma nova subsidiária, chamada Horse, o que justificaria esta ação mais sinérgica por parte das duas fabricantes, que sempre pareceram não quererem se bicar ou se ajudar muito por aqui.
Todas essas notícias e especulações parecem muito generosas e alvissareiras, até coincidentes, mas não são. Em boa medida, os novos e pesados investimentos de Nissan e Renault no Brasil são consequência da guerra entre Rússia e Ucrânia no Leste Europeu.
Vejamos: ambas as marcas deixaram recentemente o mercado russo em retaliação ao ataque promovido por este País contra territórios ucranianos. Suas fábricas foram fechadas repentinamente e vendidas, a preços simbólicos, a duas estatais de lá. A da Renault, para a Autovaz, detentora da icônica marca Lada. A da Nissan, para a Nami, um instituto local especializado em pesquisa e desenvolvimento para o mercado automobilístico).
Além do Brasil, o programa global do SUV Kardian previa produção na Rússia, tanto que protótipos dele chegaram a ser flagrados lá, em estado de abandono. E aí precisamos lembrar do nosso Captur, derivado do Kaptur russo, e que teve de ser tirado de linha aqui porque boa parte de seus componentes vinha do gigante euroasiático.
Sem a Rússia na jogada, a aliança Renault-Nissan precisou redirecionar seus investimentos e dar mais relevância a mercados como… A América do Sul. Não que já não houvesse intenção de se investir aqui, é preciso que fique claro. Estamos falando de um incremento nos planos de investimentos.
E se você ainda não acredita que tudo esteja relacionado, lembremos do caso da GWM. A chinesa só aportou R$ 10 bilhões no Brasil porque o governo da Índia fez jogo duro para permitir que a fabricante chinesa se instalasse em uma desativada planta da GM naquele país.
O dinheiro não é infinito e, no complexo xadrez geopolítico global, em todos esses casos o Brasil surgiu, de repente, como um local mais atrativo para essas companhias investirem. Agora é ver se nosso mercado interno e de exportação conseguirá responder à altura. A Reforma Tributária, se bem aplicada, me parece um passo fundamental para isso.