Isenção ou redução de alíquota de importação beneficia poucos e atrasa produção nacional de veículos elétricos e híbridos
Desde 2015 carros puramente elétricos foram isentados do imposto de importação de 35%, hoje aplicado sobre qualquer veículo a combustão importado de fora do Mercosul ou México – e os híbridos tiveram a alíquota reduzida a 4% ou 2%, dependendo da eficiência energética. A isenção, inicialmente pensada para criar um mercado que não existia, interessa muito aos importadores e bem menos ao País.
Até o momento o benefício a carros eletrificados só trouxe lucros maiores às empresas importadoras, que trazem os veículos pelo custo do frete, ao mesmo tempo em que fabricantes atrasam investimentos na produção nacional destes modelos.
O mercado de modelos 100% elétricos segue insignificante no País, coisa de 0,5% das vendas totais, com 7,7 mil unidades importadas de janeiro a setembro, o maior volume já registrado, mas quase nada em face dos 1,5 milhão de automóveis e comerciais leves vendidos nos mesmos nove meses.
Preço alto e mercado baixo
Por mais que as vendas de elétricos tenham apresentado crescimento acelerado nos últimos três anos, o tal objetivo de criar o mercado está longe de ser alcançado – e nem será com os preços de entrada na casa dos R$ 150 mil e com grande parte dos modelos acima de R$ 300 mil.
Por estes valores, mesmo com imposto de importação zerado, nunca será criado mercado de volumes significativos no Brasil. Em outras palavras esta isenção tributária chega para quem não precisa dela, beneficia parte insignificante de consumidores com dinheiro sobrando para comprar carros com grande sofisticação tecnológica e limitações de autonomia.
Nem cócegas nas emissões de CO2
Volumes tão baixos e preços tão altos também não trazem ao País o principal benefício propalado dos carros elétricos: a redução de emissões de CO2, gás de efeito estufa. Os cerca de 20 mil modelos a bateria e 142 mil híbridos vendidos aqui desde 2020 não fazem nem cócegas nas emissões da frota de 47 milhões de veículos em circulação no Brasil.
Para isto, mesmo sem contar com incentivos fiscais, fazem muito mais efeito os 35 milhões de veículos flex em circulação, cerca de 10 milhões deles rodando só com etanol, biocombustível que tem perto de 90% de suas emissões de CO2 reabsorvidas no próprio ciclo de produção.
Exportação de PIB
Enquanto não cria mercado nem reduz emissões a isenção ou redução de imposto de importação a carros elétricos e híbridos potencializa bastante a rentabilidade das empresas importadoras, que não por outro motivo passaram a importar apenas híbridos e elétricos para o País.
Dos 230,9 mil veículos leves importados pelo Brasil de janeiro a setembro cerca de 70%, ou 162 mil, são modelos a combustão vindos da Argentina, Uruguai e México, que também são isentos do imposto de importação por acordos comerciais. Dos 69 mil procedentes de outros países sem acordos de isenção praticamente a metade são híbridos e elétricos, o que demonstra a atratividade que esses veículos ganharam aos importadores após serem isentados da alíquota.
Sem o imposto a margem de ganho fica ainda mais alta e elástica. Prova disto foram as recentes reduções de preços de elétricos de R$ 10 mil a até R$ 30 mil provocadas pelo aumento da concorrência. Ou seja, há bastante espaço para absorver uma possível retomada da tributação e simplesmente voltar a praticar os preços do início deste ano.
Enquanto seguem exportando PIB e defendem a continuação do incentivo sem contrapartidas para ganhar o máximo possível, as empresas importadoras não precisam e dificilmente vão investir na produção nacional, porque não têm recursos para tanto e importar é mais barato e rentável – inclusive para fabricantes que já têm operação industrial por aqui.
Atualmente os dois maiores importadores de modelos elétricos e híbridos do País, as chinesas GWM e BYD têm planos bilionários de produção de elétricos no Brasil, mas deverão atrasar o máximo possível estes gastos enquanto não forem obrigadas a produzir.
E mesmo depois que a produção local seja iniciada será importada a maior parte dos componentes, especialmente todo o trem-de-força elétrico, incluindo baterias, que atualmente não tem fornecedores no Brasil.
Até mesmo a Toyota, que desde 2019 produz em suas fábricas brasileiras versões híbridas do Corolla e Corolla Cross, importa do Japão, com isenção tributária, todo o powertrain destes carros, apesar das opções eletrificadas já representarem mais de 40% das vendas de ambos os modelos.
Caminho do meio
Para não perder o bonde da eletrificação dos veículos o governo brasileiro precisa induzir a produção nacional – não só dos veículos mas também dos componentes. Um caminho razoável para tanto parece ser a concessão de cotas para empresas que prometem investir no País e a retomada gradual do imposto de importação – que nem deveria chegar aos absurdos 35% e poderia ficar no teto de 20% que seria a nunca respeitada tarifa comum do Mercosul.
Não há nada de novo nisto, já foi feito com sucesso no Regime Automotivo, de 1995, quando o governo sobretaxou veículos importados mas isentou do imposto fabricantes que investiram na produção nacional. O resultado foi o maior ciclo de investimentos da história da indústria automotiva nacional, estimados em US$ 20 bilhões – apesar do calote de algumas empresas que prometeram fábricas, importaram veículos com isenção e nunca concretizaram o empreendimento, caso específico da coreana Asia Motors.
Sem querer defender os fabricantes com operação no Brasil, que também têm interesses e parcela de culpa por retardar investimentos na eletrificação, parece certo que a atual isenção a carros elétricos e híbridos importados não encontra justificativa razoável para continuar como está, pois não traz benefícios amplos à sociedade que qualquer incentivo fiscal deve trazer ao ser concedido. Até agora os únicos beneficiados foram os importadores.