Enquanto Europa, Estados Unidos e China pagam o preço da vanguarda, nosso mercado avança na eletrificação com muitas oportunidades
Sei que o douto leitor provavelmente entrou neste artigo já com sete pedras nas mãos, armado para atirá-las contra mim por conta do título. Antes de fazê-lo, tenha calma. Respire fundo e leia estas mal traçadas. Quem sabe eu não te convença dele? Passarei os próximos parágrafos em tal missão. Afinal, é minha vidraça que está sob risco.
Então vamos lá. Quantas vezes não escutamos que o Brasil estava atrasado e perdido na corrida da eletrificação dos automóveis? Eu mesmo devo ter falado e escrito isso algumas boas delas. Eis que, de uns tempos para cá, comecei a perceber que não só isso talvez não seja tão verdadeiro assim como, pelo contrário, podemos estar traçando um caminho mais rápido e sustentável rumo ao carro elétrico do que outros mercados.
Na Europa, legisladores estão impondo prazos talvez apertados demais para a obrigatoriedade do carro elétrico. Fabricantes começaram a virar a chave quase de olhos fechados, mas agora se veem diante de um cenário extremamente desafiador, com volumes altíssimos de investimentos e sem os resultados esperados em volume de vendas.
Marcas tradicionais do Velho Continentes estão sofrendo para encontrar competitividade e atrair consumidores para seus carros elétricos em meio à invasão de marcas mais novas, como Tesla e a chinesa BYD. Os custos são elevados, o retorno é fraco e gente como a Stellantis teve que recuar de sua estratégia e ampliar a oferta de versões a combustão de modelos que antes deveriam ser prioritariamente elétricos, caso do Jeep Avenger.
E o que dizer da China e seus gigantescos cemitérios de carros elétricos inutilizados? Ironicamente, o mesmo País que tem deixado executivos europeus e norte-americanos de cabelo em pé, ao promover uma verdadeira invasão com seus elétricos, sofre internamente com os elétricos de baixo custo para compartilhamento que foram produzidos aos borbotões sem que houvesse demanda efetiva para eles.
Por ter iniciado a eletrificação de sua frota um pouco mais tarde, pode ser que o Brasil tenha, surpreendentemente, vantagens nesse processo, evitando os erros que estão sendo cometidos lá fora. A últimas notícias sobre o tema, inclusive, são alvissareiras, e não estamos falando apenas das chinesas BYD e GWM, que começarão a produzir carros híbridos e elétricos em Camaçari (BA) e Iracemápolis (SP), respectivamente, entre 2024 e 25.
Recentemente, a General Motors já anunciou o interesse de começar a fabricar carros elétricos no Brasil. Pouco tempo depois, a Stellantis declarou que fará o mesmo. Mais recentemente, a Volkswagen sinalizou para o mesmo caminho, e pode até incluir o fabrico de um elétrico nacional em seu próximo ciclo de investimentos, de R$ 5,4 bilhões, previsto para o período de 2026 a 28.
É claro que corremos o risco de perder fábricas e enfraquecer nossa indústria se não agirmos direito. Até fabricantes que já estão programando a produção local de híbridos e elétricos podem fechar parte de seus complexos fabris a fim de concentrar a produção em um único lugar. Afinal, um carro elétrico tem muito menos componentes do que um a combustão.
Por outro lado, também temos a possibilidade de sair dessa transição mais fortes do que entramos. Especialmente porque temos na prateleira um trunfo que ninguém mais tem: o etanol, que pode ser usado tanto para alimentar modelos híbridos, com índices baixíssimos ou quase nulos de poluição, quanto em veículos do tipo FCEV (elétricos a célula de combustível), sendo transformado em hidrogênio.
Uma coisa parece certa: o brasileiro vem deixando para trás aquela visão de que carros elétricos e híbridos são bichos papões. Temos uma incrível capacidade de nos adaptar rápido a novos tempos e estar abertos a novas tecnologias. E se já aceitamos que o caminho será a eletrificação, tudo fica mais fácil.
E se entrarmos nos anos 2030 com carros elétricos e híbridos a etanol em produção, dentro de uma realidade de demanda e preços minimamente acessíveis, de repente teremos virado o jogo para ser o País referência em eletrificação no mundo, aquele que melhor passou pela transição. Por essa nem você, nem eu, nem qualquer outro brasileiro esperava.