Novo estudo que leva em conta o ciclo completo de produção e uso dos veículos, combustíveis e baterias dá ampla vantagem à eletrificação com etanol e biometano
É sabido – mesmo que não muito divulgado – que carros elétricos ainda têm questões de sustentabilidade de longo prazo a responder: como se haverá quantidade suficiente de lítio, cobalto, níquel, terras raras, cobre e outros metais para produção de baterias, cabos e motores elétricos, ou se a eletricidade para abastecer esses veículos continuará vindo de usinas térmicas que queimam combustíveis fósseis como carvão, diesel ou gás.
Já os biocombustíveis conseguem provar suas vantagens ambientais sustentáveis hoje e no futuro a cada novo estudo, como comprova mais um deles, uma recente pesquisa realizada na Unicamp liderada pelo pesquisador Marcelo Gauto e publicado no início de junho em artigo na revista científica Energy for Sustainable Development, da editora Elsevier, com o título Vigor Híbrido: Por Que Híbridos com Combustíveis Sustentáveis são Melhores do que Veículos Elétricos a Bateria.
O levantamento traz novos números sobre emissões de CO2 de veículos a combustão (ICEV), híbridos fechados (HEV), híbridos recarregáveis plug-in (PHEV) e 100% elétricos (BEV, Battery Electric Vehicle), usando gasolina pura, etanol, biometano ou eletricidade.
A pesquisa levou em consideração a matriz energética brasileira e as emissões com uso de diferentes tipos de energia do berço à roda, o que inclui tudo que foi emitido na fabricação dos veículos – e das baterias no caso dos elétricos e híbridos –; na produção, distribuição e queima de gasolina pura, etanol puro e gás biometano; na geração de eletricidade e infraestrutura de recarga para PHEVs e BEVs.
Benefício ampliado
Já são conhecidos e produzidos no Brasil, pela Toyota, os carros híbridos flex, que combinam um sistema de propulsão híbrido fechado com bateria pequena recarregável só pela rotação do motor bicombustível etanol-gasolina. Os benefícios de redução de emissões desta combinação também já são conhecidos, mas este novo estudo traz à tona números que ampliam ainda mais a vantagem do híbrido flex sobre carros 100% elétricos a bateria.
Levando em conta a matriz energética mais limpa do Brasil, cerca de 80% composta por fontes renováveis de usinas hidrelétricas, eólicas e solares, pesquisas já apresentadas mostravam que um híbrido flex, quando abastecido só com etanol, tem emissões de CO2 pouco inferiores as de um carro 100% elétrico.
Para se chegar a estes números a medição é feita no ciclo poço à roda, que inclui toda na conta a quantidade de CO2 emitido na produção, distribuição e uso do combustível utilizado, seja gasolina, etanol ou eletricidade. No caso do uso de biocombustíveis o gás de efeito estufa emitido no escapamento é de 80% a 90% reabsorvido pela própria plantação de sua matéria-prima, caso da cana, principal fonte do etanol brasileiro.
O estudo realizado na Unicamp amplia esta medição: além de considerar as emissões na produção e uso do combustível também leva em conta o que é emitido durante o processo de produção do veículo, das baterias – no caso de híbridos e elétricos – e até mesmo da instalação da infraestrutura de recarga para modelos 100% elétricos ou híbridos plug-in.
Vantagem no ciclo de vida
Os resultados das projeções de emissões berço à roda dão ampla vantagem a favor dos biocombustíveis, principalmente o gás biometano. Segundo o estudo, levando em conta todo o ciclo de vida da produção do veículo ao seu uso, um carro rodando com gasolina pura emite 269,3 gramas de CO2 equivalente por quilômetro (gCO2e/km), enquanto o mesmo veículo a combustão com etanol E100 emite menos da metade, 120,9 gCO2e/km, ou três vezes menos, 73,6 gCO2e/km, com gás biometano (veja gráfico).
Um híbrido fechado HEV, que se autocarrega só com o motor a combustão, é a combinação mais sustentável, emite ainda menos quando usa só biocombustíveis: 77,5 gCO2e/km com E100 e 59,5 gCO2e/km com biometano – este foi o melhor resultado do estudo.
Os híbridos plug-in, recarregáveis na tomada, perdem parte da vantagem porque usam mais a propulsão elétrica e precisam de baterias maiores, que emitem mais CO2 na produção: com E100 um PHEV emite 91,4 gCO2e/km e com biometano 85,8 gCO2e/km. Ainda assim são números melhores do que um carro a combustão com etanol, mas piores do que motores alimentados por biometano.
Já um BEV, 100% elétrico a bateria, segundo o estudo levando em conta seu ciclo de vida emite 104,8 gCO2e/km quando alimentado pela matriz energética brasileira, mais de 80% dela renovável. Ainda assim o resultado é pior do que qualquer híbrido combinado com etanol ou biometano ou mesmo um veículo a combustão abastecido só com biometano.
Como comparação, se fosse recarregado na Europa, mais de 70% dependente de usinas térmicas alimentadas por combustíveis fósseis, este mesmo BEV emitiria 145,6 gCO2e/km, número que só é melhor do que um automóvel a gasolina, o que torna a opção de eletrificar a frota uma escolha necessária só para países que não têm disponibilidade de biocombustíveis.