Houve muita confusão em relação ao recente pacote de incentivos para aliviar os estoques elevados de veículos à espera de compradores. Inclusive o uso totalmente distorcido do que significa um carro “popular”. Afinal, o termo está superado por se referir a uma situação do passado, não do presente. Hoje o mais adequado é carro de entrada ou de acesso, quando não existem condições mercadológicas de simplesmente “depenar” um produto para baixar seu preço. Exigências de segurança, emissões e alguns equipamentos de conforto e comodidade impedem qualquer ação nesse sentido.
No entanto, essa condição se repete até nos mercados ricos. Uma recente reportagem do prestigioso jornal americano Washington Post (WP) apontou que parte dos compradores nos EUA está preferindo dar uma ajeitada no seu automóvel usado. Eles não conseguem pagar as prestações dos modelos mais em conta porque preços e juros subiram. Esse fenômeno reflete o encarecimento da oferta destes produtos de entrada.
Em 2017, havia 11 modelos por menos de US$ 20.000 (R$ 97.000 em conversão direta, mas com os baixíssimos impostos locais). Em março último, apenas dois. O preço médio atual é de US$ 48.000 (R$ 233.000). Bom lembrar que a frota americana de 290 milhões de veículos ainda é a maior do mundo com densidade de 1,2 habitante/veículo. Na China, maior mercado mundial, 25 milhões de unidades/ano, a densidade está em torno de 4 habitantes/veículo semelhante à do Brasil. Esse panorama de automóveis mais caros se repete nos outros mercados de alto poder aquisitivo e volume na Europa, Japão e Canadá.
Guardadas as proporções, em 1993 o Brasil criou os carros apelidados de “populares” com redução praticamente total (99,9%) do IPI. Eram sete pelo preço combinado de o equivalente a US$ 7.500: Fusca, Kombi, Uno Mille, Chevette Jr., Escort Hobby, Gol 1000 e quase um ano depois, Corsa Wind. Feita a correção monetária custariam hoje cerca de R$ 80.000 e seriam incomparáveis em termos técnicos aos atuais de entrada ou de acesso.
Agora só há dois modelos de carros na faixa de R$ 59.000 com os descontos patrocinados pelo Governo Federal e em vários casos, fabricantes: Fiat Mobi (lançado em 2016) e Renault Kwid (2017). Os demais 88 modelos vão de R$ 63.000 a R$ 138.890. A Fenabrave distribuiu no dia 13 último uma nota prevendo que o programa de incentivos só vai durar um mês, quando o montante alocado ao patrocínio se esgota.
O que o WP deixou de abordar por não se tratar do tema da reportagem, é um fato ainda pouco comentado. Boa parte desta disparada de preços no mundo deve-se a que os fabricantes precisam investir muito na necessária, porém longa transição para veículos elétricos. Como dinheiro não cai do céu, a rentabilidade tem de vir de alguma forma. No caso, aumentando os preços dos carros atuais já que subsídios governamentais no exterior são limitados e um dia vão acabar.