Setor volta ao discurso presidencial diante da retração das vendas
Se ainda restava alguma dúvida sobre o cenário insustentável que vem se desenhando para a indústria automotiva no País, os resultados do primeiro trimestre deste ano confirmam que a situação tronou-se crítica. Faltam clientes para carros muito caros e o crédito desapareceu, enquanto sobram capacidades produtivas e gente que pode ficar sem emprego se a situação continuar como está. O momento é propício, portanto, para o setor voltar a exercitar sua governo-dependência.
Em busca de alívios tributários, financiamento mais fácil e programas de crescimento, têm sido constantes as visitas de representantes da indústria de veículos e autopeças ao alto escalão do governo, especialmente ao ministro do Desenvolvimento e também vice-presidente da República, Geraldo Alckmin, bem como ao Ministério da Fazenda dirigido por Fernando Haddad e ao BNDES.
Não que essas visitas não acontecessem durante o governo anterior de matiz política oposta, mas com ou sem elas pouco mudou nos últimos quatro anos. A diferença principal, agora, é que a emergência do momento crítico que pautam as demandas do setor voltaram ao discurso presidencial. E quando isso acontece as coisas tendem a acontecer.
Pistas e propostas no discurso de Lula
Em café da manhã com jornalistas e em reunião com ministérios, no início deste abril, a indústria automotiva frequentou falas relevantes do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que deu pistas do que pretende fazer e propôs um debate mais amplo sobre os rumos do setor antes de conceder benefícios.
Lula confirmou: “Eu já disse ao companheiro Alckmin que convidasse a indústria automobilística e que convidasse os companheiros dirigentes sindicais do setor automobilístico para ter uma conversa. Não é para discutir se a gente vai incluir IPI, se a gente vai fazer qualquer coisa. Não, essa conversa já fizemos há muito tempo. É preciso ter uma discussão mais profunda. O que a gente quer da indústria automobilística brasileira? Porque eles também têm de assumir a responsabilidade de facilitar o financiamento”.
De tão pequena em número de viventes nacionais a elite nacional, única que pode pagar ou financiar preço médio de R$ 140 mil por um carro atualmente, não dá mais conta de sustentar o tamanho do setor instalado no Brasil, preparado para produzir 4,5 milhões de veículos/ano, mas que com o nível atual de demanda interna mal conseguirá vender metade deste volume, aqui e no Exterior.
Do que se ouviu até agora as indicações são de que o governo estuda medidas para destravar e reduzir o custo do crédito – não só para compra de veículos –, promover a volta de carros mais baratos ao mercado, além de endereçar um programa de renovação da frota e colocar o Brasil e sua indústria de multinacionais em lugar mais privilegiado no mundo, inclusive com a entrada do País na produção de elétricos.
Lula continuou: “A gente está com dificuldade de exportar porque as matrizes não permitem que a gente exporte para o continente africano, porque são elas que exportam. Nós não temos mercado interno para trinta indústrias. Então é preciso ter uma discussão e eu pretendo discutir com a Anfavea com muita seriedade, com os dirigentes sindicais: qual é o futuro da indústria automobilística no Brasil? E aí me interessa a ideia da produção de carro elétrico no Brasil, de ônibus elétrico. Essa discussão vai acontecer nos próximos dias”.
Entenda-se que próximos dias são estes dias, agora. Lula iniciou as discussões quando esteve na China, semana passada, e conversou com o presidente da BYD sobre investimento da chinesa em fábricas de veículos elétricos e insumos para baterias, algo que já vem sendo tratado há pelo menos dois anos com o governo da Bahia. Consequências dessas conversas e de outras, que devem ser iniciadas aqui mesmo nas próximas semanas, devem começar a aparecer em breve, portanto.
Pouca margem de manobra
O governo Lula, já em seu segundo mandato, em 2008, foi bastante eficiente em tirar a indústria automotivo do buraco aberto pela crise financeira global daquela época com liberação de crédito e redução de IPI, que abriu caminho para o recorde de vendas no País, em 2012, quando foram emplacados 3,8 milhões de veículos – número jamais alcançado desde então.
“A expectativa que se tinha era que a gente estivesse agora em 2023 matriculando 6 milhões de veículos. Mas hoje estamos licenciando nem metade disto. A indústria automobilística parou de vender porque o povo parou de comprar. Não existe mais carro popular. O povo pobre comprava para pagar em 30 meses, 40 meses, 50 meses, chegamos a financiar em 60 meses”, diagnosticou Lula.
Desta vez, contudo, o espaço de manobra do governo é bem menor, há menos gordura para queimar do que há uma década. O IPI, principal imposto utilizado pelo Executivo para alívios tributários, já foi cortado na gestão anterior para níveis bastante baixos sem nenhum efeito sobre os preços ou nas vendas.
Crédito mais barato faria mais efeito – como já fez na época dos recordes de vendas – mas desta vez é preciso combinar o jogo com um Banco Central independente – e um tanto autista – e com os bancos nada dispostos a conceder empréstimos que poucos podem pagar.
Parece ser mais difícil adotar a mesma receita para colocar a indústria de volta aos trilhos do crescimento. Será preciso repartir iniciativas com a indústria, quem sabe pedindo alguma redução de lucros – levando em consideração que nos últimos dois anos, na média, os fabricantes venderam bem menos mas lucraram bem mais vendendo carros mais caros, ainda que eles sejam muito mais recheados de sistemas obrigatórios de segurança e redução de emissões.
Fato é que não há almoço de graça e alguma contrapartida a indústria terá de dar se quiser ajuda do governo, conforme adiantou Lula: “Tem que ser um jogo combinado. Se você vai dar um benefício para o empresário, é preciso saber o que o trabalhador vai ganhar, porque não tem sentido você negociar só para um lado ganhar”.
Ao que tudo indica medidas serão tomadas em favor da volta do crescimento da indústria automotiva no Brasil. Resta esperar para saber se e como o discurso presidencial será transformado em ações.