Muito se fala sobre “carro tunado” para expressar, na linguagem popular, carro com modificações em relação ao produto original, que vão desde re-map de motor e suspensão alterada até colocar luzes de LED embaixo do carro, que o faz parecer como uma copiadora scanner à noite.
O que pouca gente sabe é que o tuning é sim uma palavra utilizada pelas montadoras e significa desde a definição das cargas de amortecedor até o refino da rigidez de molas, barras estabilizadoras e até rigidez de buchas das suspensões, com o propósito de fazer com que o veículo se comporte dinamicamente de acordo com o objetivo do projeto que, no final, precisa estar conforme o que o cliente espera, sem esquecer do DNA da marca.
Todo veículo deve oferecer uma condução acima de tudo segura, mas também confortável. Além disso, existe uma questão de esportividade que se deseja dar ao veículo que, por via de regra, se contrapõe ao conforto ou, na linguagem popular, maciez da suspensão.
Definição de condução segura: o veículo, dentro das especificações as quais foi projetado, deve apresentar níveis de estabilidade, tanto em curvas quanto em reta, adequados à utilização.
Um veículo off-road, por exemplo, deverá privilegiar a condução fora de estrada em detrimento à condução em asfalto, porém sem deixar a condução perigosa. O inverso também é válido, ou seja, uma Ferrari não vai ter acerto off-road, assim como um Troller não terá acerto para o asfalto.
Definição de conforto ao rodar: há vários fatores que influenciam o conforto ao rodar, como por exemplo os bancos, ar-condicionado, entre outros. Vamos ter foco aqui no aspecto de conforto gerado pelas suspensões ao lidar com imperfeições do terreno.
Isto posto, a definição que melhor explica é “capacidade de filtrar as imperfeições do terreno nas mais variadas situações sem transferir aos ocupantes vibrações ou acelerações desconfortáveis”.
O conforto também se confunde com o nível de ruído gerado pela transmissão desta vibrações, causado pelo terreno e que são, dentro da engenharia dos veículos, tratados de forma diversa pois afeta, dentre outras coisas, a rigidez da carroceria, isolações etc.
Tuning das molas
Num passado recente, antes de termos ferramentas de simulação matemática mais desenvolvidas como as de hoje, a rigidez das molas era calculada “na mão”, de forma que a frequência da massa suspensa (entenda peso do carro dianteiro e traseiro) fosse algo em torno de 1,2Hz na frente e 1,5Hz na traseira, dependendo do tipo do veículo. Uma picape terá que trabalhar com frequências mais altas na traseira pelo fato de terem que carregar muito mais peso que um carro de passeio. Isto explica o porquê de picapes terem uma suspensão traseira tão mais desconfortável do que um carro de passeio.
Depois do cálculo da rigidez das molas iniciais e para tuning, eram confeccionadas molas com rigidez que variavam algo como +- 15%, para então avaliar no carro o melhor balanço. Para barras estabilizadoras, análises semelhantes eram feitas e barras com diâmetros diversos eram testadas também.
Há um outro componente muito importante que popularmente é chamado de “batente da suspensão”, que na verdade funciona como “molas auxiliares de suspensão” e como tal, necessita de tuning para que, em conjunto com a mola principal – quer seja helicoidal, barra de tração ou feixe de molas -, faça o seu trabalho, em especial quando o veículo está carregado.
Tuning do amortecedor
Um pouco sobre conceitos físicos: mola, por definição, é um componente que amortece energia, porém também gera energia quando comprimida, torcida ou flexionada. Ou seja, depois de defletida, ela devolve a força no sentido contrário.
O amortecedor também absorve energia, porém a energia gerada nele se transforma somente em calor. Essa característica faz com que o amortecedor seja utilizado para controlar as oscilações da carroceria como função primária, mas também controlar movimentos transientes da carroceria.
O tuning de amortecedor ocorre de forma diversa: iniciava-se com alguma configuração de amortecedor com base na experiência do engenheiro ou de algum modelo semelhante da marca.
Nesta fase do desenvolvimento, além das óbvias avaliações subjetivas feitas pelo engenheiro de dinâmica veicular, se faziam aquisições de comportamento dinâmico em várias situações, tanto de handling como de conforto. Estas medições auxiliavam a entender melhor a direção do tuning.
Era um trabalho muito demorado e que, na verdade, só terminava quanto o timing do projeto obrigava o engenheiro a “congelar a proposta” para que a engenharia de produto definisse outras características dos componentes, para assim poder iniciar a fabricação das peças.
Aqui vale um comentário: para o engenheiro de tuning, sempre há alguma mudança ou refino para ser feito. Somos muito exigentes!
Mais recentemente, de uns 20 anos para cá, utiliza-se cada vez mais o modelo de CAE, que faz grande parte do trabalho com mais rapidez, reduzindo não só o tempo de projeto como também os custos. Como comparação, antigamente (pegando um exemplo de 1995) o tuning levava cerca de 12 meses para ser concluído e utilizávamos 3 fases de protótipos até chegar ao resultado final. No último projeto que desenvolvi, foi utilizado somente um nível de protótipo e o tempo de tuning foi de aproximadamente 4 meses.
Tuning dos pneus
Não falamos ainda do componente mais importante da suspensão: o pneu!
O pneu tem a tarefa de conectar o piso à suspensão e, além de ser um item de segurança (visto que uma falha de um pneu pode gerar um acidente grave), tem características que afetam grandemente o comportamento do veículo.
Quando se faz o trabalho de tuning, são avaliados os vários fornecedores de pneus e há diferenças de comportamento entre eles. Quando algum pneu não atende às características dinâmicas esperadas, o fornecedor daquele pneu é chamado e discussões técnicas são feitas para que, em novas amostras deste fornecedor, o pneu tenha tais características atingidas.
E sim, os pneus também sofrem “tuning”, porém por parte dos fornecedores dos pneus.
Este foi um breve resumo de como é feito um tuning de suspensão e, assim, conseguimos visualizar que é um trabalho longo que requer vários especialistas com as devidas ferramentas de engenharia, bem como conhecimento técnico para que a suspensão, que é um sistema muito crítico por ser tratar de item de segurança, tenha o comportamento adequado ao nicho o qual o veículo foi desenhado.
Toda e qualquer modificação feita na suspensão poderá afetar a segurança do veículo e certamente alterará o comportamento dinâmico. Em casos onde é feita uma pequena modificação, como por exemplo adotar molas mais rígidas e mais baixas ou amortecedores com maior carga de amortecimento, isso não deve afetar a segurança na condução e até poderá melhorar se o carro for para uso em Track Days. Porém, rebaixar o carro até que ele ande raspando no chão poderá sim afetar seriamente a segurança na condução.