Volume de emplacamentos decepciona no primeiro mês de 2023; Preços altos e falta de crédito reduzem as vendas
Não há nada a comemorar no crescimento de quase 12% nas vendas de veículos leves em janeiro, na comparação com o mesmo mês de 2022. Os 130,4 mil emplacamentos registrados ficaram apenas 13,8 mil unidades acima dos 116,6 mil de um ano atrás, quando diversas linhas de produção foram paralisadas por falta de semicondutores – antes disso só se viu resultado mensal pior em janeiro de 2005, quando foram emplacados 99,6 mil automóveis e comerciais leves no País.
Nem mesmo nos dois anos de profunda crise econômica no Brasil, em 2016 e 2017, com emplacamentos de 149,7 mil e 143,5 mil unidades, o volume de vendas de veículos em janeiro não foi tão baixo quanto agora. Também em janeiro de 2021, na rampa de recuperação da pandemia no ano anterior, o resultado foi bem melhor, com 162,5 mil carros e utilitários leves vendidos.
O começo de 2022 foi pior porque a produção estava emperrada, com falta de chips eletrônicos, o que levou ao pior janeiro de vendas em 17 anos. Por isto, com a redução dos problemas de fornecimento observada nos últimos meses, o resultado do mês passado pode ser considerado ainda mais decepcionante.
Desta vez o desempenho sugere o esgotamento do mercado brasileiro de veículos, que já sentia a falta de clientes nas concessionárias e vinha sendo alimentado por vendas diretas a locadoras e às empresas de locação por assinaturas que pertencem às próprias montadoras.
Dezembro foi assim, quando 54% das vendas foram por faturamento direto. Segundo levantamento da Jato Dynamics, dentro desta porção de mais de metade dos negócios, 66% foram compras efetivadas por empresas de assinaturas ligadas às fabricantes de veículos, como a Flua!, da Stellantis, ou a VW Sign & Drive, administrada pela VWFS, Volkswagen Financial Services.
Em janeiro as vendas diretas perderam vigor, esta fatia caiu 10 pontos porcentuais, para 44% dos negócios. Ou seja, após o grande escoamento de veículos para locação registrado em dezembro o apetite das locadoras arrefeceu – mesmo que momentaneamente – e o mercado ficou mais dependente do cliente de varejo, que no momento tem poder de compra ainda menor. O resultado deste movimento foi o número pífio de emplacamentos do mês passado.
Cenário difícil
Ainda que janeiro não sirva para balizar o resto do ano pela frente, o fato é que o mês passado apenas confirma o cenário difícil que vem sendo desenhado. A gangorra de emprego e renda para baixo e preços para cima vem contribuindo já há alguns anos para limitar a evolução do mercado de veículos novos no País e agora parece chegar a um ponto de saturação.
Sucessivos e grandes aumentos, aliados a crédito caro e restrito, transformaram carros em bens inalcançáveis à maioria da população. Segundo levantamento da Bright Consulting, somente em 2021 o preço médio de lista dos carros subiu 16 pontos porcentuais acima da inflação, depois mais 11 pontos em 2022. O tíquete médio de compra que era de R$ 82,2 mil, em 2019, antes da pandemia, saltou para R$ 136,7 mil no ano passado, uma evolução de 66,3%.
Carros novos sempre foram caros demais para a maior parte da população brasileira, mas de dois anos para cá os preços explodiram e falta crédito para fazer o valores tão altos caberem no bolso, como acontecia em passado recente. Em anomalia sem precedentes, em 2022 mais de 70% das vendas foram à vista e apenas 30% financiadas. Até 2020 estes porcentuais eram opostos, mais de 70% das compras de veículos eram por financiamento.
Estudo da Jato indica a queda do poder relativo de compra de carros ao longo da última década: em 2010 o carro mais barato do mercado, o Fiat Uno 1.0, custava R$ 22,9 mil, o que equivalia a 45 salários mínimos, de R$ 510 na época. Em 2022 o veículo mais em conta foi o Renault Kwid Zen, por R$ 66,6 mil, ou 55 salários mínimos de R$ 1,2 mil. Ou seja, o modelo mais popular à venda aumentou dez salários mínimos em doze anos.
Crédito raro e caro
Levando-se em conta estes mesmos dois exemplos, é possível simular como o crédito pode viabilizar – ou inviabilizar – as vendas. Um cliente que ganhava cinco salários mínimos em 2010 podia dar 20% de entrada e contratava um financiamento de 36 meses para comprar um Fiat Uno, e pelo juro da época de 1,27% ao mês pagava prestações de R$ 638/mês, comprometendo 25% de seu rendimento mensal.
Hoje este mesmo cliente sequer encontra este tipo de plano no mercado, mas se encontrasse iria pagar juros de mais de 2% ao mês, 36 parcelas de R$ 2,1 mil por um Renault Kwid, o equivalente a 35% de sua renda mensal, o que nenhum banco aprova. Ou seja, este cliente, que há dez anos representava boa parte dos compradores de carros novos no País, hoje está fora do mercado e não há perspectivas de sua volta tão cedo.
Ainda que o crédito se torne mais amplo e barato, este fator, sozinho, não será suficiente para impulsionar o mercado brasileiro nem para perto dos sonhados 3 milhões de veículos/ano. O consultor Roberto Barros, da S&P Global, avalia que “a redução da taxa de juro traria um aumento discreto das vendas, não mais de 250 mil carros por ano, só injeção de crédito sem aumento da renda não traz grande resultado”.
Sem renda
O problema é que a renda média dos brasileiros está cada vez mais distante de alcançar os preços dos carros, que nos últimos anos ficaram muito mais caros por diversos motivos, entre os quais a adoção de novos sistemas de segurança e para reduzir emissões, mas também pela intensa recomposição do lucro das montadoras nos últimos dois anos, que focaram na produção de modelos mais rentáveis, assim venderam menos carros por valores unitários muito maiores.
Problema maior ainda é que a tendência futura é de aumentos de preços nos próximos anos, trazidos pelo aperto das legislações de emissões e segurança, que exigem a adoção de novos e mais caros sistemas tecnológicos.
Se estas condições perdurarem por muito mais tempo o mercado brasileiro tende a descer ainda mais baixo do que o piso atual na casa de 2 milhões de unidades/ano.