Marca surfou bem a onda dos carros populares 15 anos atrás, mas não soube se renovar e agora terá que se reinventar no Brasil
Esta coluna já abordou a situação delicada vivida pela Renault no Brasil. Durante muitos anos, sob a tutela de Carlos Ghosn, a fabricante francesa aproveitou os projetos de baixo custo da subsidiária romena Dacia para sedimentar seu espaço no mercado nacional, vendendo produtos que ficaram conhecidos como simples, porém espaçosos, robustos e funcionais.
Foi assim que Sandero, Logan e Duster trilharam o caminho do sucesso. Porém, os anos se passaram, a marca não soube se renovar e agora terá de se reinventar. O velho Sandero já foi tirado de linha e, dele, sobrou apenas o aventureiro Stepway, que também está com os anos contados. Dificilmente passa de 2024. Captur e Logan sairão do catálogo antes, ainda este ano.
Por entender que esses nomes já estão depreciados, a Renault desistiu de investir em uma nova geração de todos eles. Em vez disso, apostará em uma gama quase inteiramente nova de produtos nacionais e importados, quase todos com maior valor agregado e foco em rentabilidade, mais do que em volume de vendas.
Levando-se em conta só os veículos a combustão, o processo começa no início do ano que vem com o projeto HJF, um SUV com porte similar ao de Fiat Pulse e VW Nivus, e que aproveitará a estrutura do novo Dacia Sandero Stepway europeu, porém com visual e nome exclusivos.
Entre 2025 e 26, conforme contei em primeira mão na Mobiauto, chegarão outros três produtos de maior porte construídos a partir da plataforma modular CMF-B, a mesma do projeto HJF: um SUV de cinco lugares sucessor do Duster, o SUV de sete lugar conhecido atualmente como Bigster e uma nova picape compacta-média sucessora da Oroch.
A surpresa é que, dos três, a picape já está com produção confirmada na Argentina, de onde sairá uma irmã gêmea com insígnia Nissan – aos mesmos moldes de Nissan Frontier e Renault Alaskan. Já o Bigster deve compartilhar a linha de montagem de São José dos Pinhais (PR) com a terceira geração do Duster, que talvez também mude de nome.
Paralelamente, a fabricante trabalhará a linha eletrificada E-Tech, composta por enquanto de modelos apenas importados. Os elétricos Kwid e Zoe foram os primeiros de uma leva que já tem o crossover Mégane E-Tech e configurações elétricas do furgão Kangoo e da van Master confirmados para nosso mercado.
Este colunista entende que há mais três modelos da linha E-Tech previstos para chegar nos próximos três anos, sendo dois em 2024 e mais um entre 25 e 26. Um pode ser o híbrido Arkana E-Tech, mas este ainda está em estudo e deve surgir (se surgir) só depois que receber uma atualização visual, prevista para breve. Os outros dois são um mistério.
Percebeu que todos são veículos de maior valor agregado? Mesmo o novo Duster – ou seu sucessor, caso o nome seja alterado – deve ser reposicionado quase como um SUV compacto-médio, ocupando o posicionamento atual do Captur na gama, custando acima de R$ 150.000.
Para não se descolar totalmente dos segmentos mais populares, a Renault seguirá oferecendo o Kwid, seu atual carro-chefe. Deve manter em linha, também, as gerações antigas de Duster e Oroch em produção no Brasil, convivendo com seus sucessores.
A meta original é deixá-los em linha até 2028, em especial o SUV, mas apenas se houver espaço para tal. O foco será no custo-benefício ou para abastecer o mercado de frotas. Porém, se a demanda por eles cair, morrerão antes.
E, assim, a Renault tentará em um prazo relativamente curto abandonar o “espírito Dacia” e mostrar ao brasileiro que pode vender carros mais caros e rentáveis no país. Será que a estratégia dará certo? O plano parece arriscado, mas é aquela coisa: quase sempre, só arrisca quem muito precisa.