Marca voltará a vender produtos “globais”, em decisão que afetará autonomia da filial brasileira, mas nos dará produtos mais modernos
Já comentei em outra coluna que uma das vantagens da Stellantis no mercado brasileiro era seu nível de autonomia elevado em relação a outras fabricantes, que dependem muito mais do “amém” das matrizes e, muitas vezes, precisam se virar com produtos, empurrados por estas, que pouco têm a ver com a realidade do brasileiro.
Tal análise vale especialmente para a Fiat, que tem no Brasil seu principal mercado em todo o mundo. É óbvio que a marca italiana já ofereceu para nós produtos globais, como os médios Tempra, Tipo e Stilo, ou pelo menos dedicados a vários mercados emergentes, como a primeira geração do Fiat Palio.
Mesmo essas famílias recebiam derivações específicas para o consumidor brasileiro, como a pioneira Fiat 147 Pick-Up e o Fiorino, ou o Premio, derivado da primeira geração do Uno, ou ainda a Strada.
Só que, conforme os anos se passaram e a Fiat se enfraqueceu em outras regiões, especialmente a Europa, a filial brasileira teve que se virar para criar soluções locais que mantivessem a filosofia de baixo custo e, ao mesmo tempo, fizessem sentido ao nosso público.
Foi nesse cenário que, a partir dos anos 2010, começaram a surgir produtos quase exclusivamente voltados ao próprio mercado brasileiro, como as segundas gerações de Uno, Palio e Strada, a dupla Argo e Cronos, o subcompacto Mobi, a vanguardista picape Toro e os SUVs Pulse e Fastback.
Se observarmos bem, veremos que no catálogo atual da Fiat quase todos os produtos aqui comercializados foram desenvolvidos dentro de casa. São frutos de um grau de autonomia local que nenhuma marca concorrente da Fiat possui no mercado brasileiro.
Em resumo, enquanto as rivais vão com o fubá até as matrizes para mostrar como querem preparar a receita (na esperança de que estas aceitem sem querer introduzir ingredientes que nada têm a ver com nossa realidade), a Fiat já está voltando com o bolo pronto para ser vendido. O resultado disso é uma liderança acachapante de vendas.
Pois a notícia trazida pelo CEO global da marca, Oliver François, de que a gama de produtos entre Europa e América do Sul será unificada, vai mexer com essa dinâmica. A consequência mais óbvia será a implantação da plataforma CMP (rebatizada como STLA Small), originária da antiga PSA, na fábrica de Betim (MG) nos próximos anos.
Isso, por si, promoverá um grande salto de qualidade dos produtos nacionais da Fiat. Essa é a parte (muito) positiva da notícia. Se tivermos futuras gerações de modelos como Argo, Cronos, Strada, Pulse e Fastback com a mesma qualidade construtiva de um Peugeot 208, o consumidor brasileiro certamente estará no lucro.
Para a Stellantis, a decisão pode comprometer a referida autonomia local da Fiat, que é um de seus maiores trunfos na construção de sua recente liderança de mercado. A partir da unificação, decisões sobre novos produtos poderão ficar mais lentas e burocráticas, o que pode facilitar (e muito) a vida de concorrentes como Volkswagen e Chevrolet.