A Argentina foi campeã em 1978 bem antes do Natal, mas a ceia de comemoração teve seis Perus como prato principal. A Argentina de 1986 foi campeã, mas tomou o nome de Deus em vão ao pegar a taça com a mão. A Argentina de 2022 é campeã, mas teve que esperar além dos 90 minutos, além da prorrogação, quase além de 36 anos.
A Argentina de 2022 é campeã sem muito favoritismo, nem favor. Figurava como possível vencedora mais pela tradição e por quem figura como principal atração do time e que não era bem visto por quem insiste em enxergar o futebol além da bola. Lionel Messi era o cidadão europeu, o jogador de clube, o menos argentino dos nascidos na Argentina. Poderia ganhar o que fosse que não se aproximaria de Diego Armando Maradona. A menos que ganhasse o mundo.
Messi nasceu um ano depois de Maradona conquistar o mundo no México. Tornou-se cidadão de Barcelona quase três décadas depois de Maradona ter passado por lá. Jogou mais Copas que Maradona, mas não jogava como Maradona, mesmo quando foi treinado por Maradona em 2010. Perdeu uma final de Copa, assim como Maradona. Só não recebia uma parte sequer da reverência destinada a Maradona. A menos que ganhasse o mundo.
Parecia que não iria ganhar. Não no Catar, na derradeira das cinco oportunidades que teve em Copas. A Arábia Saudita se pôs no caminho argentino como Camarões em 1990. Só que em 1990 a Argentina foi para a final. Cresceu durante a competição. Firmou-se, solidificou-se. E tinha Maradona. Em 2022 a Argentina foi para a final. Cresceu durante a competição. Firmou-se, solidificou-se. E tinha Messi. E campeões do mundo às vezes crescem e se fortalecem durante a Copa. A Argentina, derrotada na estreia, cresceu em quatro jogos, atingiu o ápice no quinto e chegou ao Nirvana no sexto, naquele em que mais precisava. Em que precisava de Messi. E ele apareceu.
O camisa 10 já vinha aparecendo desde a estreia, mesmo na derrota. Conduziu o time contra México e Polônia, tranquilizou o ambiente contra Austrália e Holanda, foi o cara do jogo diante da Croácia. Faltava comandar a Argentina contra a França na decisão. Não falta mais.
A França era o time forte, crescido e consolidado desde 2018. Defendia o título e tentava o bi consecutivo (algo que só o Brasil de 1958 e 1962 e a Itália de 1934 e 1938 conseguiram) apostando em um sistema de jogo difícil de ser vencido e com o talento de M’Bappé. Conseguiu colocar em prática em momentos decisivos da partida e também por esse motivo levou a decisão para os pênaltis. Mostrava a França, com a bola rolando, estar pronta para ser campeã. Mostrou a Argentina, na hora dos pênaltis, estar com muita vontade de ser campeã.
O jogo
A vontade Argentina estava explícita durante o primeiro tempo. O time contou com mais do que a genialidade de Messi. Dominou o meio de campo e jogou de forma ofensiva, deixando sempre um jogador sem marcação. E esse jogador não era Messi, mas De Paul e Mac Allister tinham um pouco mais de liberdade. O pênalti convertido por Messi veio premiar o time que dominava a primeira etapa e não permitia à França jogar. A triangulação Mac Allister, Messi e Julian Alvarez, com um toque cada um, resultou no gol de Di María, que não tinha a certeza da titularidade. A Argentina chegava aos 2 a 0 e jogava como queria.
Favas contadas? Conta outra…
A França não teve um crescimento avassalador na segunda etapa, mas até por obrigação estava bem mais produtiva do que nos primeiros 45 minutos. Passou a ficar mais com a bola e é claro que isso poderia ocasionar problemas para a Argentina. O pênalti de Otamendi em Kolo Mouani foi convertido por M’Bappé e colocou a França de volta ao jogo. Depois que Coman desarmou Messi e acionou Rabiot, M’Bappé tabelou com Thuram e empatou. A Copa já vencida estava mais uma vez na igualdade dos gols, dos papéis dos craques e na prorrogação.
No tempo extra a Argentina não conseguiu manter o domínio do tempo normal, até porque o físico não teria como ser o mesmo. Tanto que os dois times se arriscaram pouco. Na segunda parte e, sem nada a perder, Messi mandou um chute de fora da área que obrigou Lloris a uma defesa monumental. Logo depois a confusa jogada pela direita ia terminar com uma defesa magistral de Lloris, mas Messi estava lá para marcar o segundo dele e o terceiro da Argentina. O jogo só não temrinou nos 120 minutos porque Montiel cortou uma bola com o braço na área e M’Bappé marcou o terceiro gol dele.
Nos pênaltis, os melhores batem os primeiros, certo? M’Bappé e Messi marcaram. Emiliano Martinez brilhou, de novo e outra vez, ao defender a cobrança de Coman. Tchouaméni ainda chutou para fora, enquanto a Argentina, com Dybala e Paredes, mandava todas para dentro. Kolo Muani jogou a responsabilidade para Montiel e o autor do último pênalti do jogo anotou a última cobrança da Copa do Mundo. A do título. A da consagração.
Lionel Messi ganha o mundo
Sem “mas”. Com mais.