Por: Isamara Fernandes
“Cash is King”. Todos os dias a maior categoria do automobilismo mundial coloca essa máxima em evidência – e de diversas formas. Desta vez, com a possibilidade do crescimento do calendário de corridas para 30 etapas ao longo do ano.
A Fórmula 1 midiática, liderada por Stefano Domenicali e a Liberty Media, entenderam que o esporte furou a bolha dos senhores conservadores da terceira idade e hoje o automobilismo conversa com um público cada vez mais jovem e caminha, a passos um pouco mais lentos, para conversar com uma ampla diversidade.
Com isso, os responsáveis pela captação de novos entusiastas estão trabalhando cada vez mais para fisgar esses consumidores ainda frescos, vide a forte insistência com o público norte-americano, tradicionalmente mais hipnotizado pela NASCAR, a inserção de três corridas no território de Biden (Austin, Miami e Las Vegas), além da projeção para entrar, de vez, na China aproveitando a maré da presença do chinês Guanyu Zhou no grid e por fim, o ”boom” anual causado a cada estreia de uma nova temporada de ”Drive To Survive” na Netflix, a maior plataforma de stream atualmente.
Mas o que isso afeta diretamente na quantidade de corridas por ano? A conta é simples. Quanto mais pessoas você atrai, mais os seus números aumentam e mais interessados em fazer parte desse grande mecanismo vão aparecer, e o dinheiro na conta vai aumentar. Se pararmos para analisar, esse movimento já acontece. Em 2020, no auge da pandemia no mundo, o calendário era curtíssimo – com cerca de 16 corridas – por conta de toda a situação global. Hoje, são 23 corridas distribuídas de março a novembro em quase todos os continentes – ponto que credencia a Fórmula 1 como um certame mundial, de fato.
Neste intervalo, há a necessidade de três semanas de férias de verão no meio da temporada, dividindo o campeonato em dois. Configurado dessa forma, em 2022, o movimento de evasão da categoria por parte de muitos funcionários que atuam nos bastidores chamou a atenção. Volta e meia pelas redes sociais, um nome, que até então era desconhecido, postava um tweet se despedindo de alguma equipe por não conseguir viver mais nesse meio. É extremamente desgastante, principalmente para aqueles que precisam fazer a máquina funcionar.
Enquanto os pilotos estão descansando nos hotéis entre uma corrida e outra ou pegando seus aviões para dar um pulo em algum lugar, os populares mecânicos já estão chegando no próximo destino da semana de corrida para montar o paddock e deixar tudo pronto para a “festa” que vemos no fim de semana. O tempo com a família é mínimo, ele existe apenas nos períodos sem corrida e isso afeta diretamente a saúde mental e física desses trabalhadores. É o trabalho dos sonhos para muitos? Com certeza, mas até que ponto?
A “sorte” da categoria é que esse ciclo sempre vai se renovar, sempre chegarão pessoas mais novas dispostas a viver uma vida nômade por anos, o que não os deixa sem mão de obra, mas a tendência é que a duração desses funcionários a longo prazo seja cada vez mais curta, à medida que se exija mais viagens, mais países, mais fuso horários e menos tempo de qualidade.
E não para por aí, a entrada de novas corridas pode colocar em risco pistas tradicionais e admiradas pelo público. Em matéria recente do Autosport, Silverstone, Spa e Mônaco são os traçados considerados intocáveis para aqueles que amam o esporte. Será? Burburinhos já existem alegando que a corrida da Bélgica pode sair dando lugar para a novata Las Vegas em 2023, de acordo com o portal Telegraaf.
No fundo, a Fórmula 1 ainda é movida pela tradição e isso já foi entendido até pelo público mais jovem. As corridas convencionais são esperadas pelos espectadores de forma ferrenha anualmente e são as principais opções quando questionado os destinos mais ansiados para se ver a ação in loco, tirar um ponto que já é confortável e certo pode ser um tiro no pé com aquele social já consolidado. Do que adianta fazer firulas para ter “calouros” (ou bixos como conhecido em várias regiões do Brasil) se você não consegue administrar seus veteranos?
Resta saber o que é mais importante para Domenicali e cia.
Vale a pena mesmo o “cash” ser “king”?
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Isamara Fernandes, 23 anos, jornalista com passagem por ge.globo e cobertura das Olimpíadas de Tóquio. Apaixonada por Fórmula 1 e principalmente por Daniel Ricciardo, não atoa, comanda o Ricciardo Brazil.