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Dezesseis perguntas para avaliar, inicialmente, o grau de compromisso das empresas do setor automotivo com as práticas ESG
Desde que se instalaram no Brasil as montadoras de veículos e máquinas conduziram os principais processos de mudanças tecnológicas e conceitos industriais e produtivos. Geraram milhões de empregos e trouxeram desenvolvimento. O setor automotivo contabiliza algo como 4% do PIB e está representado, não só por montadoras, mas por fornecedores, importadores, distribuidores, agentes financeiros e prestadores de serviços.
Ao longo dos últimos anos, partes da sociedade e das organizações empresariais e governamentais se conscientizaram da necessidade de preservar os recursos naturais que usamos hoje, para que as futuras gerações também tenham a chance de utilizá-los. Surgiram os conceitos de Sustentabilidade, Desenvolvimento Sustentável e mais recentemente o ESG. São três conceitos diferentes que se complementam e geram alguma confusão. Eu vejo muitos executivos do setor automotivo propagarem de modo equivocado esses conceitos. Sustentabilidade é gestão, desenvolvimento sustentável é processo.
Carro elétrico não é base de programa ESG
Destacando o ESG no setor automotivo, a primeira confusão que tem sido divulgada é sobre os veículos elétricos e há algumas montadoras apontando o carro elétrico como base de suas práticas ESG. Bem, lamento dizer que, nesse caso, a empresa está construindo princípios ESG em um solo muito frágil. Praticar ESG exige muito mais do que isso.
Os carros elétricos não representam tecnologia “verde” e mesmo utilizando eletricidade gerada por fontes limpas e renováveis, a produção das baterias é extremamente danosa ao meio ambiente, em seus processos de extração de metais nobres e em alguns casos, na utilização desregrada da mão de obra e mineração tóxica rudimentar em países não desenvolvidos. Por exemplo, há casos de trabalho infantil nas minas de Cobalto do Congo, maior produtor mundial do metal, relatados pela Anistia Internacional desde 2016.
As baterias e os carros elétricos carregam em suas composições, Lítio, Cobalto, Níquel, Magnésio, Manganês, Molibdênio, Cobre, Vanádio, Alumínio, Silício e outros elementos da Tabela Periódica (aquela, das suas aulas de Química, lembra?). O desenvolvimento das novas gerações de bateria deve incluir também Nióbio, Grafeno e mais elementos nobres em um futuro não muito distante. As novas baterias com eletrólitos em estado sólido (Solid State Battery), que devem chegar ao mercado nos próximos anos, também dependem do Lítio em sua composição e em uma quantidade ainda maior que as atuais baterias íon-de-Lítio. Há outras tecnologias em desenvolvimento buscando materiais alternativos, mas que, por enquanto, ainda estão longe de serem promessas viáveis.
Assim como o gás natural e o petróleo, os elementos nobres das baterias são finitos e estão concentrados em poucos países. Em adição a isso, os carros elétricos necessitarão, cada vez mais, de metais Terras Raras em seus componentes de conectividade e comunicação. Esses elementos são abundantes no mundo para extração, mas de processamento difícil e muito caro, entre eles o Térbio, Neodímio, Gadolínio, Lantânio, Praseodímio e outros com nomes que parecem palavrões, mas que já estão presentes no seu dia a dia, no seu telefone celular. A China domina a produção de metais Terras Raras, com 60% do volume global.
O fato de os carros elétricos não emitirem partículas poluentes durante o uso, não lhes assegura o selo “amigo do meio ambiente”. A boa notícia é que as baterias elétricas serão altamente recicláveis, conforme o mercado crescer e os processos de reciclagem se tornarem viáveis economicamente.
O protagonismo do Etanol
O pilar ambiental do ESG na indústria automobilística é muito mais consistente ao trabalhar a geração de energia a partir do nosso setor sucroenergético, com o Etanol, tecnologia limpa, renovável, que gera empregos e que dominamos. Já há estudos para a utilização de células de hidrogênio em veículos elétricos, com energia primária gerada a partir do Etanol e devemos apoiar isso. Uma revolução tecnológica que faria o Brasil ser protagonista na mobilidade limpa e inteligente.
A amplitude do conceito do ESG no setor automotivo
O ESG é muito abrangente e não pode ser visto isoladamente, por meio de uma ação conduzida sobre o meio ambiente, uma boa ação de responsabilidade social ou uma sólida governança corporativa. Se a empresa possui, por exemplo, um reconhecido processo de gestão ambiental ela estará agindo na amplitude do meio ambiente; se a empresa faz muitas obras sociais, pratica inclusão, diversidade e fomenta a educação e a saúde na comunidade, ela estará cuidando da responsabilidade social; se a empresa é ética, transparente e presta contas, além de não estar fazendo nada mais que sua obrigação, demonstrará sólidos princípios de governança corporativa. Isso tudo, isoladamente, não faz o ESG.
O ESG é muito mais do que isso, é a integração de todos esses conceitos sociais, ambientais e governança debaixo de um mesmo propósito, conscientizando a liderança, consolidando a cultura e envolvendo toda a cadeia de valor.
Dezesseis perguntas que ajudam a identificar o “greenwashing”
Para você saber se a empresa tem, realmente, princípios e práticas ESG, faça as seguintes perguntas e provavelmente muitas ficarão sem resposta. Vamos lá?
1. Quais as métricas da “pegada de carbono”? Se elas existem, os colaboradores as conhecem?
2. Quais as métricas da “pegada hídrica”? Os colaboradores as conhecem?
3. Quantas pessoas negras existem na diretoria e no grupo de gestão da empresa?
4. A empresa possui conselho consultivo ou de administração? Se sim, quantos conselheiros são negros? Há mulheres no conselho?
5. Quantas mulheres existem em posições de liderança na empresa? Quantas delas são negras? Há equilíbrio salarial para funções semelhantes?
6. Como a empresa se relaciona com o processo da maternidade de suas colaboradoras?
7. Quantos profissionais com mais de cinquenta e cinco anos de idade a empresa contratou nos últimos dois anos?
8. Como a empresa promove a inclusão social e a diversidade? É fato ou é versão?
9. Quais as ações da empresa para melhorar a Educação Básica na comunidade?
10. Quais as ações da empresa em favor da Saúde Pública na comunidade em que está inserida?
11. Como a empresa está ajudando na capacitação profissional das pessoas carentes? O que a empresa está fazendo para melhorar a qualidade de vida delas?
12. Ao demitir um colaborador, como a empresa cuida do emocional dele(a) e de sua família? Há preocupação com isso?
13. A empresa já se envolveu em casos de corrupção, desastres ambientais, contaminação de solo, discriminação ou outros escândalos envolvendo colaboradores, sócios ou prestadores de serviços?
14. A empresa possui normas de conduta, ética e compliance definidas? É de conhecimento de todos? Houve treinamento? Existe um canal para denúncias anônimas, de fácil acesso?
15. Como a empresa incentiva os fornecedores, distribuidores, rede de concessionárias, clientes e prestadores de serviços, a praticarem e difundirem todo o conceito do ESG e não apenas uma ou outra prática de forma isolada?
16. A empresa possui um programa estruturado para “gestão do ESG” e para a implementação na sua cadeia de valor?
Então, você notou quantas coisas precisam ser feitas para que a empresa possa ter o ESG como instrumento de imagem e reputação da marca? Entendeu, por que apenas produzir carro elétrico não é base para o ESG?
Mas devo ser justo. Algumas empresas do setor automotivo implementaram ótimas ações sob o guarda-chuva do ESG e nem por isso fizeram espetáculos pirotécnicos para obter publicidade. É um bom começo para solidificar o conceito como propósito e não como instrumento de propaganda.
O ESG não é uma onda
Tentar navegar na onda do ESG com pequenas ações isoladas em gestão ambiental, inclusão social e governança é o que hoje, se fosse vivo, o magistral Theodore Levitt chamaria de “Miopia em Sustentabilidade”.
É na falta de compreensão do conceito que estão as falhas e a pouca amplitude do ESG em muitas empresas no setor automotivo, lembrando, mais uma vez que o setor automotivo não se limita apenas às montadoras. Às vezes, são interpretações e divulgações equivocadas e as chamamos de “greenwashing”, pois resultam em publicidade do que não se pratica.
Uma empresa socialmente responsável não se restringe à prestação de contas de suas responsabilidades legais, mas em fomentar atitudes que vão além disso, praticar ações que promovam o bem-estar interno (corporativo) e externo (comunidade), apoiar causas sociais, educacionais, combater o trabalho infantil, trabalho escravo e ampliar todo esse conceito para sua cadeia logística.
Leia também a coluna anterior:
https://carsughi.uol.com.br/2021/12/dez-desafios-do-setor-automotivo-no-brasil-para-os-proximos-dez-anos/