Carros totalmente elétricos são ainda novidade no Brasil. Algumas poucas montadoras estão se instalando e algumas trazendo veículos de fora, mas a verdade é que não se faz “ainda” engenharia no Brasil para estes carros.
Tive a oportunidade de prestar consultoria em qualidade e engenharia para uma empresa asiática que está começando a comercializar seus produtos, inicialmente locais e com vistas aos mercados internacionais, como Estados Unidos e Europa. Como bônus para mim e apesar do período relativamente curto – somente 2 meses -, aprendi muito sobre o que é o desenvolvimento de um carro 100% elétrico e gostaria de dividir alguns desses aprendizados com vocês.
Para muitos, e eu me incluía nesta turma, um carro elétrico seria mais simples que um veículo de combustão interna (VCI) em vários aspectos. Em certos pontos são mais simples, como por exemplo o fato de não haver a necessidade de ter um câmbio como nos VCI. Porém, a “simplicidade” acaba aí…
Vou, neste artigo, me ater a aspectos puramente técnicos, os quais são relacionados à física em si e não à montadora A ou B. Importante citar também que não vou entrar na discussão sobre a questão ecológica ou infraestrutura necessária.
O combustível destes carros é, como sabemos, a eletricidade e por esta razão, os veículos (carros, motos, ônibus e caminhões) necessitam de “acumuladores de energia elétrica” chamados de baterias, assim como os nossos celulares, por exemplo.
Até aí tudo fácil! Porém, ao contrário dos aparelhos celulares ou outros dispositivos que podem facilmente ser recarregados enquanto você os usa, os veículos elétricos não podem ser utilizados enquanto se faz a carga, pois ela acontece quando o veículo está em movimento e sem acelerar, nesta condição, o motor elétrico passa a ser um gerador de energia que carrega a bateria. Apenas como referência, um celular usa baterias de 0,006 kWh enquanto um carro elétrico comum com autonomia entre 300 e 400 km vai precisar de baterias de 50 a 70 kWh, ou seja, de 8.000 a 12.000 vezes mais energia.
Para acumular a quantidade de energia requerida para um carro elétrico, há necessidade de termos baterias maiores (na verdade, é um banco constituído de várias – às vezes milhares – de baterias conectadas em um pacote) e, portanto, muito mais pesadas.
Enquanto uma bateria de celular pesa algo como 50 gramas, a de um veículo SUV pesa facilmente 300 kg ou mais, dependendo da autonomia que se deseja obter com o veículo. Isso explica grande parte do porque os carros elétricos são mais pesados que os equivalentes com motores de combustão interna. Há também outros fatores que descreverei mais tarde.
Analisando apenas este fato de que os carros elétricos são, portanto, mais pesados, acaba-se trazendo impactos negativos nos seguintes atributos:
・ Segurança ativa/Crash test – Mais peso, maior energia de impacto, portanto reforços estruturais devem ser colocados em relação ao VCI;
・ Durabilidade – Mais peso, mais esforços nas estruturas de carroceria e suspensões, fazendo com que devam ser mais reforçados;
・ Pneus – Em alguns casos, o peso pode exceder o limite de carga do pneu, fazendo com que pneus reforçados devam ser utilizados ou pneus de medidas diferentes das originalmente imaginadas;
・ Freios – Mais peso, mais energia de frenagem e possivelmente, os freios deverão ser também maiores em relação ao modelo com motor de combustão interna. Uma possível solução, dependendo do caso é, colocar dutos para refrigeração dos freios (sempre ajuda…);
・ Custo – Todos os reforços necessários para resolver os itens acima custam dinheiro e isso acaba impactando também no preço final do produto.
Mas o que, ao menos para mim, gerou muita surpresa, foi com referência às baterias e os cuidados e restrições devido à própria característica das mesmas.
Bem, a potência gerada pelas baterias depende e muito da temperatura de trabalho das mesmas. O “sweet spot” está algo entre 25ºC e 40ºC, conforme o gráfico abaixo. Pode-se perceber que, em especial em temperaturas altas, a vida útil cai abruptamente, bem como em temperaturas baixas. Isto faz com que os carros elétricos tenham um sistema de arrefecimento para evitar que a temperatura exceda valores altos (dependendo do tempo de exposição a temperatura varia, que é um outro assunto que vou abordar) bem como aquecimento para o caso de temperaturas muito baixas.
Um outro fator muito importante a ser levado em consideração também é o fato de que, em temperaturas da bateria perto de 0ºC, a bateria simplesmente não carrega, sendo então obrigatório o aquecimento das mesmas para que o recarregamento aconteça. Ou seja, quando comparado a um carro com motor de combustão interna, o sistema de monitoramento da temperatura é mais sofisticado e caro também.
Desta forma, os requerimentos para os testes das temperaturas também são bem diversos daqueles utilizados em veículos de motor convencional e claro que menos desenvolvidos do que os convencionais, afinal, faz-se carros com motor de combustão interna há quase 130 anos e os elétricos há bem menos tempo em escala comercial.
Outra diferença fundamental entre os dois conceitos de veículos, elétricos e VCI, é a autonomia. A razão é muito simples: enquanto num veículo de combustão interna o tempo para encher um tanque é bem reduzido, o tempo para se recarregar uma bateria de um veículo pode variar de 30 minutos (*) a 8 horas, ou seja, muito mais lento que um veículo convencional. Isso faz com que o dado de “autonomia” seja sempre um argumento de vendas para carros elétricos e, claro, quanto maior, melhor.
Mas as diferenças não param por aí, ainda com referência à autonomia, e ao contrário dos VCI, o consumo é pior em estrada do que em cidade! Apenas como um exemplo hipotético, um determinado VCI rodaria, digamos, 200 km em ciclo de cidade e o mesmo veículo faria, por exemplo, 300 km em ciclo de estrada. Um veículo elétrico, apenas por hipótese, faria 300 km em cidade e 200 km na estrada, ou seja, o raciocínio exatamente oposto ao que estamos habituados.
A explicação para o elétrico ser pior em estrada é o fato de que o motor fica o tempo todo em rotação alta, consumindo bastante da bateria e na cidade, além de rotações menores, há o carregamento da bateria cada vez que se tira o pé do acelerador.
De certa forma, o fato exposto acima justifica ainda mais o uso de carros elétricos em ciclos urbanos quando o carregamento poderia ser feito durante a noite ao invés de utilização em viagens longas, pelo menos até não existirem pontos de carga suficientes
(*) carregamento rápido que possibilita carregar 80% da bateria, porém não recomendado que seja feito com frequência sob pena de danificar a bateria.
Leia também a coluna anterior:
https://carsughi.uol.com.br/2021/08/voce-sabe-como-e-feita-a-suspensao-de-um-carro/