Nos automóveis elétricos, é a capacidade de armazenar energia que vai separar as montadoras de sucessos das que vão desaparecer
Durante o último século, o motor foi a alma de um automóvel. Não porque ele seja a razão de um veículo se movimentar – afinal, sem rodas ele também não sairia do lugar. O motivo é outro: esse dispositivo queimador de gasolina define boa parte da personalidade de um carro.
Sozinho, o motor a combustão é responsável por três características fundamentais do veículo: desempenho, consumo de combustível e manutenção/confiabilidade.
Há fabricantes que se notabilizaram por produzir carros com motores focados na performance, como a Ferrari. Algumas marcas tornaram-se conhecidas por frequentarem pouco o posto de gasolina, como a Honda. Outras conquistaram fama por projetos que raramente apresentam quebras ou problemas mecânicos, como a Toyota.
Além da dificuldade de encontrar um ponto de equilíbrio entre os três atributos, ainda há a grande complexidade técnica de construir um motor: ele é composto por milhares de peças e exige precisão incrível nas folgas ou superfícies internas, que têm de enfrentar altíssimas temperaturas e ainda precisam resistir a uma certa dose de desleixo do dono tanto no uso quanto na manutenção.
É por essas e outras que o motor sempre foi o grande limitador para o surgimento e a sobrevivência de qualquer fabricante de veículos. Ou você tem a competência necessária para produzir motores ou precisa de um fornecedor. Construir um motor a combustão não é tarefa para amadores.
Tudo isso explica por que, até pouco tempo atrás, era raríssimo alguém criar uma montadora a partir do zero. Era, não é mais. Os carros elétricos mudaram completamente essa lógica.
Desde que o veículo elétrico tornou-se uma realidade comercial, devem ter surgido no mundo mais marcas de automóveis em 5 anos do que nos últimos 50. Estima-se que só na China existam hoje 300 fabricantes de veículos elétricos.
A explicação é que o motor elétrico é ridiculamente simples de fazer comparado a seu equivalente a combustão. O elétrico necessita de menos peças (cerca de 20 partes móveis contra mais de 2.000) e emprega uma tecnologia mais antiga e menos complexa.
O segredo do automóvel elétrico, no entanto, está em outro lugar: a bateria. É ela que vai separar o joio do trigo na nova corrida automotiva.
Claro que alguns fabricantes estão desenvolvendo novos motores elétricos mais adequados ao uso em veículos, mas conceitualmente não se trata de uma revolução. Se precisar de mais potência, ainda há a chance instalar no carro dois motores elétricos (um em cada eixo, como no Tesla Model S), três (é o caso do Audi e-tron S Sportback, que tem um à frente e dois atrás) ou quatro (um para cada roda, a exemplo do Lotus Evija).
Com as baterias, o buraco é mais embaixo. Não adianta ter uma enormidade de potência nos motores, se não há energia suficiente para alimentá-los. E quanto mais se pisa no acelerador, mais rapidamente a carga vai embora. E o tempo de recarga? Parece que demora uma eternidade. É o mesmo sofrimento que temos com um celular. A diferença é que, no smartphone, você pode plugar uma bateria externa. No carro não é possível: você tem de esperar horas parado à frente da tomada.
Esse tem sido um dos grandes impeditivos para o crescimento das vendas desses novos veículos. Uma pesquisa da Universidade da Califórnia (EUA) mostrou que um em cada cinco donos de carros elétricos voltou a usar modelos a gasolina, devido à demora na recarga.
O outro limitador para o sucesso dos elétricos é o alto preço, que se deve principalmente à bateria, que representa 40% do custo médio de produção desse tipo de automóvel, segundo um estudo feito para o Financial Times.
Porém esses dois pontos negativos devem desaparecer nas próximas gerações de baterias. O mesmo estudo da Financial Times estima que elas ficarão tão baratas que o custo de produção de um veículo elétrico vai cair de 45% superior ao dos carros convencionais, como é hoje, para apenas 5% em 2030.
O mesmo deve ocorrer com a rapidez de recarga. A Volkswagen Caminhões e a brasileira CBMM anunciaram neste mês uma parceria para produzir uma bateria com polo de nióbio que baixaria o tempo para atingir 80% da carga de 3 ou 4 horas para apenas 10 minutos.
Outras empresas querem ainda menos. A startup israelense StoreDot diz que já está testando uma bateria com polo de silício que pode ser carregada em 5 minutos.
O professor Chao-Yang Wang, que trabalha no Centro de Tecnologia de Armazenamento de Energia e Bateria da Universidade da Pensilvânia, acredita que essas baterias de carregamento ultrarrápido estarão disponíveis dentro de três anos.
Se as baterias são o novo nome do jogo na cena automotiva, então quem dominar essa tecnologia dominará o mercado nos próximos anos, especialmente a partir de 2030, que é a data estipulada para a maioria da Europa abolir o motor a combustão. É quando elas se tornarão a alma da próxima geração de carros.
Leia também a coluna anterior:
https://carsughi.uol.com.br/2021/09/carros-eletricos-se-inspiram-no-passado-para-serem-diferentes-no-futuro/
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