Texto por: Carlos Malfitani
A Fórmula 1 sempre foi uma categoria onde a Inglaterra, através de equipes e pilotos, foi protagonista. A primeira corrida de F1 ocorreu em Silverstone no longínquo ano de 1950. Nos primórdios da F1, muitas equipes inglesas fizeram parte do certame: BRM, ERA, Connaught, Hersham and Walton Motors (HWM), Alta, Aston Butterworth, Cooper, entre outras menos famosas. Apesar do interesse inglês na F1 desde a criação do certame, entre 1950 e 1954, marcas italianas dominaram a categoria máxima de monopostos. Inicialmente Alfa Romeo e na sequência a Ferrari dominaram os 4 primeiros anos de forma ampla.
O primeiro construtor a quebrar a hegemonia dos italianos foi a poderosa Mercedes-Benz com seus avançados W196. Porém uma tragédia nas 24 horas de Le Mans de 1955, onde morreram 83 pessoas, incluindo o Francês Pierre Levech que conduzia o moderno 300 SLR da fabricante de Stuttgart, fez com que a Mercedes-Benz se retirasse imediatamente das competições automotivas.
A partir da desistência da Mercedes-Benz, a Fórmula 1 voltou a ser dominada por equipes italianas, notadamente Ferrari-Lancia com o D50 em 1956 e Maserati com o 250F em 1957.
A Inglaterra, berço da primeira corrida de F1 realizada, país conhecido pela indústria do motorsport, dos garagistas, até então não havia logrado sucesso na categoria máxima.
Um dos ingleses mais incomodados com a falta de uma equipe inglesa de ponta era o industrial Tony Vandervell.
Vandervell era herdeiro da CAV, a principal indústria de Rolamentos da Grã-Bretanha, e desde a juventude era envolvido em corridas de automóveis e motocicletas. Logo após o fim da Segunda Guerra Mundial, Vandervell compra uma Ferrari 125, o carro é batizado de Thin Wall Special. Vandervell utiliza a Ferrari 125, devidamente pintada nas cores oficiais da Inglaterra, o British Racing Green, para testes de rolamentos de sua fábrica, assim como benchmark para a então recém-fundada fábrica de carros de corrida BRM, onde Vandervell era um dos principais financiadores.
Ao fim do trabalho com a Ferrari 125, Tony Vandervell escreveu um detalhado relatório onde apresentava os pontos positivos e negativos do carro e inclusive entregou pessoalmente uma cópia ao Commendatore Enzo Ferrari, que obviamente não foi muito receptivo, mesmo com Vandervell na condição de fornecedor de rolamentos para a equipe de Maranello.
A partir de então, criou-se uma animosidade entre Vandervell e Ferrari, o que aumentou a vontade do inglês de construir um carro de F1 competitivo para “vencer os malditos carros vermelhos”, como ele mesmo dizia.
Simultaneamente, descontente com a administração da BRM, em 1951 ele decide interromper o patrocínio e suporte técnico a equipe e parte para chegar a F1 do seu jeito.
Vandervell então compra mais 3 Ferraris de F1, entre 1951 e 1954, sendo uma delas o modelo 375. Correu pela equipe Vanwall como Thin Wall Special, pintada nas cor inglesa para competições automotivas internacionais, um verde escuro, conhecido como British Racing Green que ficaria famoso mundialmente nas competições alguns anos depois, em parte por conta das iniciativas do próprio Vandervell. Com o Thin Wall Special – Ferrari 375, a equipe de Vandervell participou de muitas corridas extra-campeonato entre 1951 e 1953, e nas mãos do piloto Reg Parnell, participou do GP da França em Reims onde marcou um ótimo quarto lugar, pontuando na corrida como a melhor equipe não oficial.
Outras 2 Ferraris 375 foram utilizadas como base para outros desenvolvimentos para a futura equipe de Vandervell, sendo o mais notável deles o sistema de freios à disco da fabricante Dunlop.
Em 1954, Vandervell funda a Vanwall e a partir do conhecimento e experiência adquirido com o Thin Wall Special, utiliza o carro batizado de Vanwall Specials, usando o chassis da Ferrari 375, porém com um motor 4 cilindros com tecnologia Norton (fabricante de motos) e Rolls Royce, além da adoção de freios à disco. Por dois anos, Vandervell evoluiu constantemente o carro, adotando inclusive injeção mecânica Bosch, não sem antes pedir autorização da Mercedes-Benz, a cliente única do sistema, para poder usar a mesma. O motor foi sendo desenvolvido ao longo dos dois anos, passando de 2.2L para 2.5L.
Ao fim da temporada de 1955, a equipe Vanwall tinha um bom motor, mas o chassis oriundo da Ferrari 375 já começava a mostrar o peso da idade.
Tony Vandervell então contrata um jovem projetista para fazer o Vanwall de 1956, Anthony Colin Bruce Chapman, o lendário Colin Chapman. Junto a ele, é contratado um também jovem aerodinamicista chamado Frank Costin, ex-funcionário da De Havilland Aircraft Company. Costin foi o primeiro engenheiro aeronáutico a embarcar na F1.
Eles projetaram o primeiro carro de Fórmula 1 para a Vanwall, o VW02, mecanicamente um carro convencional, que utilizava conceitos difundidos na época, como o chassis space frame tubular, suspensão traseira com barra De Dion para diminuir a massa não suspensa no eixo traseiro e barras de torção no lugar de molas helicoidais na dianteira, transmissão com quinta marcha e sincronizadores. O calcanhar de Aquiles do VW02 era a altura do CG, degradada pela montagem do assento do piloto sobre a caixa de transmissão e a montagem do motor sem inclinação. Porém, Frank Costin conseguiu minimizar as deficiências de handling do carro com uma refinada aerodinâmica que fazia com que o carro fosse mais veloz em reta do que todos os rivais.
Neste ponto é interessante notar que o refinamento aerodinâmico na F1 surgido com o VW02 era o de ter o menor arrasto aerodinâmico para conseguir velocidades máximas mais altas. O downforce e o conceito de asa invertida apareceriam na categoria somente no fim dos anos 60.
Os pilotos fixos da equipe Vanwall para 1956 eram o francês Maurice Trintignant e o norte-americano Harry Schell.
No início de 1956 o VW02 se mostrou pouco confiável e o time só foi aos pontos com o quarto lugar de Schell no Grande Prêmio da Bélgica, já na segunda metade do campeonato. Porém, o desenvolvimento aplicado ao VW02, assim como o trabalho feito ao longo de 1956 para melhorar a confiabilidade de conjunto mecânico, fez com que Sir Stirling Moss se decidisse por defender o time britânico no ano de 1957.
Mais novidades, além do ingresso de Moss, foram apresentadas pela Vanwall. A equipe teria 3 pilotos regulares e por consequência, pelo menos 3 carros seriam inscritos em todos os GPs. Schell e Trintignant foram dispensados, e junto a Moss, Tony Brooks e Stuart Lewis-Evans foram contratados para pilotar o novo carro o VW05, evolução do 02 do ano anterior.
O sonho do nacionalista e patriota Tony Vandervell estava avançando: uma equipe britânica com 3 pilotos britânicos defendendo o time. Só faltavam os resultados, e eles vieram! Moss ganhou 3 dos 8 GPs de 1957: Grã-Bretanha, Itália e Pescara. O time de Tony Vandervell finalmente era um time de ponta, Stirling Moss fechou o campeonato como vice-campeão, apenas atrás do Maestro Juan Manuel Fangio e seu Maserati 250F. Tony Brooks e Stuart Lewis-Evans também apresentaram desempenho consistente ao longo do campeonato.
Para a Vanwall, o ano de 1958 se mostrava promissor. O trio de pilotos britânicos foi mantido, o VW05 era o carro de 1957, mas com evoluções constantes, sendo a maior delas a adoção dos pneus Dunlop R5 com estrutura de nylon, junto com rodas de aço estampadas. Essas novidades, somadas a evolução contínua do chassis e da aerodinâmica, resultaram em 7 vitórias para a Vanwall em 1958, 4 vitórias de Stirling Moss (Argentina, Holanda, Portugal e Marrocos) e 3 vitórias de Tony Brooks (Bélgica, Alemanha e Itália). Stuart Lewis-Evans ainda fez 2 pódios, na Bélgica e em Portugal.
Apesar de vencerem 7 corridas, Stirling Moss e Tony Brooks foram, respectivamente, vice-campeão e terceiro lugar na classificação do campeonato de pilotos. O campeão do mundo foi outro inglês, Mike Hawthorn pilotando um Ferrari Dino 246. Apesar de vencer somente o Grande Prêmio da França em Reims, Hawthorn foi extremamente constante, com quatro segundos lugares, um terceiro e um quinto lugar, não pontuando somente no Grande Premio de Montecarlo. Por outro lado, Moss abandonou 5 corridas e além das 4 vitórias, somou somente mais um segundo lugar na França.
Ao final da temporada, as 7 vitórias garantiram à equipe Vanwall o título de construtores, porém a comemoração e o feito foram maculados pelo acidente fatal do piloto da equipe, Stuart Lewis-Evans, durante a última etapa do campeonato no Marrocos.
A morte de Lewis-Evans em um dos seus carros acabou por abalar Tony Vandervell, que já apresentava a saúde debilitada. A situação toda fez com que ele perdesse o interesse nas corridas. 1958 foi o último ano em que a equipe Vanwall participou de um campeonato de Fórmula 1 por completo.
Todavia, o legado da Vanwall e de Tony Vandervell estava cumprido. O amor pelas corridas e a rivalidade com as equipes italianas levou a equipe a ser a primeira campeã de construtores em 1958. A primeira equipe inglesa de Fórmula 1 bem sucedida, que trouxe para o meio figuras chaves como Colin Chapman e Frank Costin para a manutenção do sucesso da Grã-Bretanha no topo do esporte a motor pelas próximas 2 décadas.