As marcas vendem recursos técnicos como se fossem a última novidade, mas alguns são quase centenários
Fico impressionado quando vejo carros recém-lançados oferecendo como se fosse a última preciosidade tecnológica do mundo alguns equipamentos tão antigos quanto o próprio automóvel. E isso acontece com tanta frequência que você se espantaria se soubesse que lhe vendem “inovações” técnicas que às vezes são centenárias.
Apenas como exemplo mais recente, lembrei do Renault Captur 2022, apresentado no início de julho. A lista de equipamentos incluía a “cornering light” (luz auxiliar em curvas) como item disponível só a partir da versão intermediária.
Curiosamente percebi que o novo SUV traz outros recursos que são enaltecidos em muita campanha de marketing por aí, como botão de partida ou câmbio automático do tipo CVT. Porém, por incrível que pareça, eles já existem há mais de 60 anos.
Para não correr mais o risco de levar gato por lebre, vamos conhecer a seguir sete tecnologias que têm cheirinho de novidade para a grande maioria dos consumidores brasileiros, mas que são velhos conhecidos dos engenheiros automotivos.
1) Luz auxiliar em curvas
Há dois sistemas que iluminam a curva para onde o motorista pretende ir. O mais simples é a “cornering light”, que acende só um dos faróis de neblina quando o condutor gira o volante ou aciona o pisca-pisca. É o caso do acessório do Captur 2022, recurso que ainda não é comum entre os veículos fabricados no Brasil.
Pois saiba que o Cadillac 1962 já dispunha desse sistema. Hoje é a eletrônica que detecta o início do movimento do volante e imediatamente acende o farol de neblina do mesmo lado, mas no passado era tudo mecânico. Havia uma lâmpada nos para-lamas dianteiros que era ligada assim que o motorista acionava a alavanca do pisca.
Existe um segundo sistema, esse bem mais avançado, chamado de faróis direcionais ou adaptativos. Nesse caso, o conjunto óptico se movimenta para se adaptar à curva, além de baixar o facho de luz para não ofuscar o motorista no sentido contrário. Algo semelhante havia no Tucker Torpedo 1948. Ele tinha um terceiro farol no centro do veículo, que era conectado à coluna de direção: bastava o motorista virar o volante para a luz central se acender e acompanhar o movimento das mãos, apontando para a respectiva curva. Simples, eficiente e bem antigo.
2) Carros híbridos
A Toyota se enche de orgulho por vender os únicos modelos híbridos produzidos no Brasil, o Corolla e o Corolla Cross. É compreensível, já que esse tipo de veículo é uma raridade na nossa indústria. E se eu dissesse que 120 anos atrás já existiam automóveis rodando com um conjunto mecânico que combina motor elétrico e a combustão?
Batizado de Semper Vivus (“sempre vivo” em latim), ele foi apresentado no Salão de Paris de 1901 como uma criação de Ferdinand Porsche (que viria a fundar a marca com seu nome) em colaboração com a empresa austríaca Lohner.
Esse veículo híbrido tinha dois motores elétricos, cada um embutido numa roda dianteira, que eram acionados por baterias recarregadas por dois pequenos motores de um cilindro. Apesar do conceito ser genial, acabou ficando esquecido até a Toyota lançar em 1997 o Prius, o primeiro híbrido fabricado em escala comercial.
3) Botão de partida
Ainda hoje há automóveis que não oferecem como item de série um botão para dar partida. É preciso colocar a chave no contato e girar para ligar o motor. Não se surpreenda em saber que a Cadillac introduziu essa novidade em 1912.
A diferença é que na época isso não era só questão de conforto e sim de segurança. Tudo porque a partida era feita girando uma manivela, que ajudava o motor a entrar em funcionamento. Além de exigir muita força no movimento, era uma operação de risco: às vezes o motor produzia um solavanco no sentido contrário e fazia a manivela quebrar um braço ou fraturar o crânio.
4) Biocombustíveis e motor flex
Quando a Volkswagen anunciou na última semana que o Brasil se tornaria o centro mundial de pesquisas de biocombustíveis para países emergentes, deu a impressão que esses mercados agora poderão entrar de cabeça num futuro sustentável, não? Saiba, então, que Henry Ford já dizia que o álcool era o combustível do futuro numa entrevista de 1925.
Apaixonado pelo combustível vegetal, ele havia criado o Modelo T para rodar com gasolina ou querosene, mas desde 1908 o carro tinha um ajuste do distribuidor que permitia queimar uma mistura com álcool de milho (ou até puro), que era um produto barato e acessível no interior dos EUA, por conta da produção de bebidas como o bourbon whiskey.
Henry Ford também já tinha construído protótipos que funcionavam com óleo de cânhamo (a popular maconha), mas a fartura de petróleo nos campos do Texas e da Pennsylvania fez com que a gasolina logo se tornasse padrão. Voltando um pouco mais no tempo, descobrimos que o alemão Rudolf Diesel – inventor do motor que leva seu nome, em 1893 – havia projetado sua criação para funcionar inicialmente com óleos vegetais, principalmente o de amendoim.
5) Sistema de navegação
Com a popularização das centrais multimídias, ter um navegador por GPS dentro do automóvel passou a ser cada vez mais comum. O que pouca gente sabe é que a Honda já oferecia 40 anos atrás um sistema semelhante, porém analógico.
Lançado em 1981, o Electro Gyrocator era como aqueles guias de rua em papel, mas numa versão para automóvel. Havia uma folha plástica com mapa impresso que ficava dentro de um monitor retroiluminado. Conforme o veículo trafegava na rua, um conjunto formado por sensor de direção, hodômetro e giroscópio fazia o carro se mover no mapa.
6) Câmbio CVT
Ainda pouco conhecido no Brasil, o câmbio CVT ganhou espaço no nosso mercado com os modelos japoneses, como Honda Fit e Civic ou Toyota Corolla ou Yaris, e com a Renault, que lançou o Captur 2022 com uma nova versão do equipamento. No entanto o CVT (transmissão continuamente variável, em inglês) existe há muito tempo. O sistema que usa polias que variam seu diâmetro – em vez de várias engrenagens – estreou em um carrinho holandês chamado DAF 600 Variomatic, em 1958. Foi só no final dos anos 1980 que a Subaru resgataria esse conceito para aplicar nos seus veículos de produção.
7) Veículos elétricos
Considerando que os veículos elétricos representam hoje apenas 1% da frota mundial, é quase inacreditável pensar que no início do século passado eles eram frequentes nas grandes cidades.
O primeiro serviço de táxi elétrico em Londres começou a operar em 1897 e chegou a ter 75 unidades rodando pela capital inglesa, onde eram chamados de Beija-flor, por causa do zumbido característico de seus motores. Já em Nova York tornaram-se tão comuns que 90% dos táxis da cidade americana eram elétricos em 1899.
Por serem caros (custavam mais que o dobro dos convencionais) e terem baixa autonomia, eram mais utilizados por empresas para uso urbano, mas também eram os preferidos pelas mulheres ricas, que não precisam mais usar a força para girar a perigosa manivela de partida.
Depois que a produção do petróleo cresceu nos Estados Unidos, a gasolina ficou barata e atraiu o interesse dos motoristas e da indústria automotiva, que passou a desenvolver as novas tecnologias apenas na direção dos motores a combustão.
Ironicamente, hoje vivemos uma época em que legislações na Europa e EUA vão proibir em breve a venda do carro a combustão, forçando a indústria a dar um cavalo-de-pau e apontar agora para um futuro que, na verdade, é uma grande volta ao passado.
+ Leia também a coluna passada:
https://carsughi.uol.com.br/2021/07/entenda-por-que-os-carros-hoje-sao-tao-parecidos-entre-si/
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