∙ Um bom momento de recuperação para a FIAT, incertezas na indústria de carros e importantes movimentações no setor de caminhões
Após um período de recordes sucessivos em vendas de carros e caminhões no Brasil (e lá se vão quase dez anos), a economia e o mercado viveram momentos de euforia e depressão. O setor automotivo brasileiro é tão dinâmico e promissor, quanto incerto. Contudo, os dados históricos do mercado nos fornecem informações ricas para análises e projeções estratégicas que podem falhar também, que o diga os analistas que previram um mercado de cinco milhões de veículos no Brasil para 2016.
Um dos segredos da inteligência de mercado está em identificar subsegmentos nos quais os seus concorrentes atuam e quando a empresa acorda, a concorrência já “comeu pelas beiradas”. Por isso, os gráficos do setor precisam ser analisados nas entrelinhas e o Fundo de Comércio se constrói ao longo de um período. Análises mensais têm pouco efeito prático, mas servem para o diretor comercial “enquadrar” os seus escritórios regionais de vendas.
Um único ponto percentual de market share representa centenas de milhões de reais no Fundo de Comércio, calculado cumulativamente, que envolve uma ampla cadeia de interessados (tier 3, tier 2, tier 1, montadora, sistema financeiro, rede de concessionárias, aftermarket e clientes).
Os próximos três anos serão decisivos para o setor automotivo no Brasil e o que acontecer até o final de 2023, definirá o futuro de algumas marcas no país. Montadoras e redes de concessionárias não são entidades beneficentes e não há como sustentar operações sem resultados. Vale lembrar que, uma vez tomada a decisão na matriz é quase impossível revertê-la.
Os anos dourados se foram e para algumas marcas restaram modernas fábricas ociosas, que podem entrar em colapso quando falta um pequeno componente para a montagem do veículo, às vezes esse componente tem custo insignificante na composição do preço final do produto. As consequências são distintas e houve quem se beneficiou disso, talvez por um melhor planejamento estratégico.
Feita essa introdução, vamos aos fatos e aos números.
Carros e Comerciais Leves
O gráfico nº1 mostra a evolução em market share das principais marcas de carros e comerciais leves no Brasil nos últimos dezoito anos. Nesse período o mercado saltou de 1,4 milhão para 3,8 milhões de veículos e recuou. Passamos pela expansão econômica, recordes em balança comercial, crescimento das reservas cambiais, três crises políticas, uma pandemia, a chegada de novos players com a abertura de novas fábricas, o fechamento das fábricas da Ford (carros e caminhões), a ameaça da GM em deixar o país e, no mesmo período, a abertura de centenas de concessionárias e o fechamento de centenas de concessionárias. Ninguém morre de tédio no setor automotivo brasileiro, mas não é muito recomendado para quem tem problemas cardíacos.
Em dezoito anos (período do gráfico), seis em cada dez veículos vendidos nos segmentos de carros e comerciais leves no Brasil foram do grupo FIAT, da VW ou da GM. Esse índice caiu um pouco nos últimos cinco anos, mas ainda se mantém acima dos 50%. Razões para isso? Tradição de marca, redes de concessionárias fortes, capitalizadas e com capilaridade. A tendência é que esse cenário permaneça por mais alguns anos, até que uma quarta força consiga ultrapassar a linha dos 10% de market share e se consolide no grupo superior. Entendemos por consolidação, permanecer no patamar por, no mínimo, três anos consecutivos.
A linha dos 10% de participação no mercado não é uma fronteira imaginária e operar acima dela define políticas comerciais específicas, abrangência de produtos e dimensão da estrutura de produção e vendas. Contudo, vender volumes altos para sustentar rede e participação de mercado não implica em vender com margens baixas.
Há uma outra fronteira que define o ponto de viabilidade da operação no Brasil para um mercado abaixo de 2,4 milhões de veículos, a qual está ao redor de 3% de participação. Essa análise não vale para os veículos premium, cujas marcas atuam com estruturas menores e margens mais elevadas. Um ponto muito importante a ser considerado, quando se fala em viabilidade da operação no país, está no tamanho do parque formado e sua capacidade de absorção do pós-venda.
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Faço três observações em relação ao gráfico nº 1. A primeira é sobre a grande capacidade de reação da VW. A segunda é sobre a situação momentânea da GM, que em 2022 deve retornar próximo ao patamar anterior em participação de mercado, porém, sem esquecer que, recentemente, o presidente da empresa ameaçou deixar o país e isso foi antes da Ford tomar a mesma decisão. A terceira observação é sobre a ótima recuperação da FIAT em participação de mercado e também, sobre a importância da marca JEEP para o grupo e para a rede de concessionárias.
A pandemia em pontos percentuais de market share
O gráfico nº2 mostra quem ganhou e quem perdeu em participação de mercado no período da pandemia e compara os níveis de participação, antes de 2020, com o nível atual, passados cinco meses de 2021. Nesse mesmo gráfico se observa as variações em pontos percentuais no segmento de veículos comerciais cargo-diesel vocacional, composto pelo segmento sub-3,5ton (incluindo furgões ≥ 8m³) e o segmento de caminhões Anfavea. Todas as marcas tradicionais conquistaram parte do espólio deixado pela FORD Caminhões, enquanto a VW/MAN também se beneficiou do bem-sucedido lançamento do modelo Express no segmento sub-3,5ton.
Veículos de carga vocacionais diesel (sub-3,5ton e Caminhões)
Por falar em caminhões, o gráfico nº3 mostra a evolução nos últimos dezessete anos, no segmento expandido de veículos comerciais, composto pelos veículos de carga com motorização diesel acima de 2.0L, incluindo furgões a partir de 8m³ e demais modelos e versões chassis-cabine entre 3,0 e 3,5 toneladas. Importante mencionar que, nos últimos dez anos, esse segmento acrescentou, em média, 33% de volume ao segmento de caminhões Anfavea (o qual considera apenas modelos e versões a partir de 3,5 toneladas de PBT).
A análise no segmento expandido evita a miopia de marcas que só consideram em seus relatórios, os segmentos nos quais competem, assim como representa elevados ganhos ao Fundo de Comércio para marcas que atuam em todo mercado, a partir de 3,0 toneladas com chassis-cabine e furgão, como é o caso da IVECO com a Daily e da MERCEDES com a Sprinter. Lembro que, para as redes de concessionárias e para a própria montadora, esses modelos e versões possuem muitas peças e componentes comuns, o que beneficia estoques e absorção de pós-venda. A entrada da VW no segmento sub-3,5 toneladas, com o modelo Express, lhe deu 3 pontos percentuais adicionais de market share na composição das segmentações.
Ainda em relação ao gráfico nº3, faço também três observações. A primeira diz respeito a boa recuperação da SCANIA e a minha expectativa quanto ao virtual sucesso do caminhão movido a gás (um dos itens claros na Resolução Nº 7, de 20 de abril de 2021 do Ministério de Minas e Energia, que instituiu o Programa Combustível do Futuro e em seu Art. 3º, da criação de comitês técnicos, propõe estudos para ampliação do uso de combustíveis sustentáveis e de baixa intensidade de carbono, como, por exemplo, a criação de corredores verdes para abastecimento de veículos pesados movidos a biometano, gás natural liquefeito e gás natural). Com relação às versões a gás de caminhões no Brasil, SCANIA e IVECO sairão na frente. A segunda observação diz respeito ao lento, mas constante e regular crescimento da DAF que, em breve, entrará também em outros segmentos e lhe proporcionará pontos adicionais em participação consolidada. Por fim, vale ressaltar que nos últimos dezessete anos, MERCEDES e VW/MAN foram responsáveis por 48% de todas as vendas de veículos comerciais no Brasil, no segmento expandido, o qual inclui os modelos entre 3,0 e 3,5 toneladas e se considerarmos apenas o segmento de caminhões Anfavea (o qual considera modelos e versões a partir de 3,5 toneladas), o índice de participação das duas marcas alemãs, juntas, no mesmo período é de 57%.
Ainda no setor de caminhões, o que ocorrer em vendas neste ano de 2021 não deve refletir uma tendência. Nos próximos quatro anos entrarão as novas exigências de emissões, cabine e itens de segurança nos veículos e alguns modelos sofrerão razoáveis aumentos de preços por isso, o que poderá impactar no mercado. A conferir.
Carros Elétricos
Não é hora de se falar nisso no Brasil com tanta intensidade e paixão. O setor automotivo tem, nesse momento, problemas maiores para administrar, entre eles, assegurar a permanência de algumas marcas no país. Os carros elétricos terão sua fatia no mercado, mas o horizonte ainda é distante e as baterias atuais estarão obsoletas em pouco tempo. As baterias SSB (solid-state) devem chegar ao mercado global com produção regular a partir de 2024 e o Brasil precisa oferecer condições para que fábricas desse tipo de bateria se instalem aqui, ou, ficaremos parcialmente fora do jogo. Felizmente, temos o setor sucroenergético para nos permitir desenvolver tecnologias veiculares com energia limpa e renovável. Que venham as células de combustível com base no Etanol.
*As opiniões manifestadas nesse texto são de responsabilidade exclusiva do autor.