Com a popularização dos automóveis e, portanto, ficando menos “exclusivos”, surgiu uma vontade, quase necessidade para alguns, de modificar seu carro de forma a ter um carro diferente ao do vizinho, mesmo que fosse o mesmo modelo… As personalizações vão desde um som potentíssimo com subwoofers de “trocentas polegadas” até protetores de laterais e tantos outros acessórios, o importante é ser diferente.
Esta prática é muito saudável uma vez que, além de satisfazer os desejos dos usuários e clientes, acaba movimentando uma indústria paralela às montadoras: as fábricas de acessórios, fazendo com que a economia gire. Via de regra, estas modificações, ou a maioria delas, não comprometem a segurança, então tudo bem.
O problema começa quando estas modificações atingem áreas mais sensíveis do veículo como, por exemplo, a suspensão. Há uma predileção entre as pessoas que gostam de personalizar seus carros em rebaixar a suspensão por acharem que o carro fica mais bonito e que melhora o comportamento em curvas.
O rebaixamento da suspensão pode variar entre “levemente mais baixa” ate ”nível hard” ou seja, aqueles que colocam o carro literalmente “no chão” ou suspensão “fixa” como é conhecida, o que gera certa dificuldade para passar em lombadas, mas é ótima oportunidade para fazer amigos.
Devemos levar em conta alguns fatores que mudarão as características de dirigibilidade do carro e que na maioria das vezes, vão no sentido de piorar e não melhorar.
Quando se rebaixa o carro, independente de quanto ou como você o fizer, haverá efeitos colaterais. Entre os mais importantes e em ordem de prioridade estão a interferência do carro com lombadas e valetas, ruídos provenientes de mal assentamento das molas, reduzida vida útil do carro como um todo e “perda de estabilidade”.
Ao contrário do que a maioria das pessoas pensam, simplesmente rebaixar a suspensão sem conhecimento acarretará piora do comportamento do veículo em especial quando o terreno for ondulado, situação mais do que corriqueira por aqui.
Vamos entender que quando o carro é rebaixado, o centro de gravidade também abaixa, o que é bom por reduzir o efeito de inclinação da carroceria em curvas. Porém, outras coisas acontecem ao mesmo tempo, ou seja, a suspensão “perde curso em compressão”, a geometria das suspensões se alteram (mais crítico em carros com suspensão traseira independente), o que requer muitas vezes que o alinhamento ideal seja diferente do original e o fato de que os amortecedores, em 99% dos casos são os originais que, claramente, não foram sintonizados para tal situação.
O acerto (tuning) de suspensão feito pelas montadoras obedece ao DNA de cada marca, sendo que umas são mais voltadas ao conforto (ride comfort) e outras ao handling (estabilidade), fazendo com que cada um tenha seu “compromisso ideal”, buscando atender o desejo dos clientes da marca.
Este trabalho é um trabalho que além de exigir muito conhecimento técnico de engenheiros, técnico, mestres e até doutores em Dinâmica, requer tempo para execução das várias fases do desenvolvimento de forma a garantir sempre o melhor compromisso e com durabilidade esperada.
Mas digamos que você queira mesmo rebaixar o carro, vão aqui algumas dicas para que você fazer com menos riscos:
1) Procure utilizar molas especiais que existem no mercado para vários carros ao invés de cortar elos como fazem muitos pois é mais barato;
2) Revise todo o sistema de suspensão, em especial os chamados “batentes de suspensão” que são, na verdade, ”molas auxiliares”. Não esquecer de olhar as buchas da suspensão quanto a trincas ou derretimento das borrachas, além dos articuladores do braço de controle e caixa de direção;
3) Faça o serviço em uma oficina que tenha experiência neste tipo de retrabalhos;
4) Substitua os amortecedores por outro de maior carga com o objetivo de melhorar o controle da carroceria, apesar de piora do conforto;
5) Se substituir as rodas e pneus por maiores ou mais largos, certifique-se que o pneu não tocará nenhum canto vivo da carroceria quando carregado ou passando em depressões. Isto pode, em algumas situações, gerar corte dos pneus, perda de controle e potencial acidente.
Depois de feito o retrabalho, lembre-se que você estará dirigindo um carro mais baixo que vai tocar em lombadas e valetas. Portanto, ao invés de andar mais rápido, diminua as velocidades e tenha cuidado com buracos (sim, eles vão ficar mais perigosos aos pneus agora…) e sempre obedeça as leis de trânsito.
Há, entretanto, pessoas que contra-argumentam dizendo que os carros de corrida, em tese nível máximo de estabilidade em curvas, são todos rebaixados. Porém, esses carros são modificados para uso em competição em pistas fechadas somente e não precisam lidar com lombadas e valetas, além do fato de que piloto liga a mínima para conforto: o que importa é o tempo da volta ser bom!
Eu mesmo tenho um carro que foi modificado para uso em “Track Days”. Para quem não conhece o que é o Track Day, alguns organizadores alugam pistas, como o autódromo de Interlagos, para que pessoas habilitadas e com carros normais ou de corrida possam andar na pista. Melhor forma de andar rápido nos limites seus e do seu carro sem fazer loucuras nas ruas!
As modificações que fiz seguem o mesmo raciocínio acima, ou seja, através da “minha receita”, consegui fazer o carro ser algo como 5 segundos mais rápido em Interlagos somente mexendo na suspensão (não estou incluindo aqui pneus semi slick, que aí daria uns 2 a 3 segundos, eu acredito). Porém, o carro ainda é feito para uso nas ruas, passar em lombadas sem raspar… Mas, sempre tem um “mas”, o ride comfort fica degradado, sendo mais “duro”, o que é aceitável para, por exemplo, ir e voltar para Interlagos saindo do interior a 150km de distância. Mas, para ser honesto, se for usar no dia a dia, dá uma baita saudade dos meus carros “civis” com o tuning de fábrica que funciona bem melhor no uso normal e com muito mais conforto…