Leitores, vou me arriscar num tema que certamente vai gerar discussões pois afeta o bolso do usuário, não é verdade?
Bem, na minha experiência em indústria automotiva, tive que pesquisar muito sobre as razões dos consumidores reclamarem do consumo de combustível dos seus carros e com razão, afinal, o consumidor é sempre a razão de qualquer negócio e deixá-lo insatisfeito é uma coisa muito ruim.
Eu também sou consumidor e dos mais críticos possíveis. Dizem que como bom italiano, sou demais às vezes, porém aqui eu quero tentar explicar alguns fatores e quem sabe, convencer vocês que o consumo do seu carro não é tão ruim ou ao menos compreender as razões.
Há várias razões para que o consumidor ache seu carro “beberrão”, vou tentar colocar todas as que conheço em perspectiva aqui.
1) Meu carro anterior gastava menos;
2) Meu carro não faz o consumo que a etiqueta de consumo diz;
3) Meu carro é classificado como letra “A” no consumo, mas não concordo;
4) Meu carro anterior andava uma semana sem abastecer e agora rodo só 5 dias.
Antes de mais nada, vamos entender o consumo de combustível, como ele acontece e vamos nos ater aos motores de ciclo Otto flex.
+ Leia também: 9 truques que mostram se o carro teve a quilometragem adulterada
Um conceito importante é entender que o consumo de álcool será sempre maior do que com a gasolina. Por que? Pura física. Para se ter a combustão ideal de qualquer combustível, é necessário que a relação combustível/ar seja a ideal. O que significa isso?
– Para a gasolina, a fração ideal é de aproximadamente 12/1, ou seja, 12 porções de ar para uma de gasolina.
– Para o álcool, a fração ideal é de aproximadamente 9/1, ou seja, 9 de ar para uma de álcool.
Ou seja, para se andar com álcool, devemos ter algo como 30 a 35% de consumo pior por conta da razão estequiométrica.
Como se mede o consumo de combustível?
Uma delas é simplesmente olhar o consumo médio no computador de bordo (vários carros hoje já tem este computador) ou encher o tanque, rodar um tanto, encher novamente e aí fazer a conta de km dividido pela quantidade de litros para novo enchimento.
Definidos estes conceitos básicos, vamos aos tópicos que listei acima:
1) Meu carro anterior gastava menos
Vários fatores podem influenciar nessa conclusão, mas há que se levar em conta se você não trocou, por exemplo, um carro leve e pequeno por um mais pesado ou um popular por um SUV.
Também deve-se levar em conta se o carro anterior não era com câmbio manual ou dupla embreagem e o novo com câmbio automático.
Câmbios automáticos podem gerar uma degradação expressiva no consumo de combustível devido ao conceito de operação, que é menos eficiente que um câmbio normal ou dupla embreagem.
2) Meu carro não faz o consumo que a etiqueta diz
Vamos antes entender o que é aquele valor declarado na etiqueta.
Uma resolução do CONTRAN estabeleceu que todos os veículos ciclo Otto devem ter publicado o consumo em determinadas condições que são padrão a todas as montadoras.
O consumo é medido em dinamômetros de rolo onde as rotas (perfil de estradas) são simuladas através de cargas “de frenagem” que são colocadas nos rolos, ou seja, o veículo tem que vencer estas cargas para manter as velocidades do procedimento.
As rotas são definidas como de “rota cidade” e “rota estrada” e as velocidades são fixas nos trechos para todos os veículos, ou seja, simulam o uso anda e para estas condições, independente do fato de serem esportivos, SUV ou picapes.
Os testes são feitos em condições estabilizadas de temperatura (algo ao redor de 22ºC) e via de regra por técnicos que fazem somente esta função de rodar os carros no ciclo, ou seja, “pés de ouro”.
Este ciclo foi desenvolvido para se determinar o nível mínimo de emissões de poluentes que são o monóxido de carbono CO, hidrocarbonetos HC, óxido de nitrogênio NOx, material particulado e aldeídos, e do mesmo ciclo se tira o consumo de combustível, com álcool e gasolina. Os valores de consumo, entretanto, são muito melhores do que um usuário conseguiria atingir na vida real e por esta razão, é aplicado um fator onde estes números são reduzidos para algo mais próximo do mundo real, considerando ainda que no teste.
O ar condicionado ficar o tempo todo desligado também ajuda no consumo.
Outro fator que temos que levar em consideração é o fato de que a fase em que o motor do carro está frio é só no começo do teste. Aí vem um outro probleminha… Melhor contar já!
Na fase fria, a mistura estequiométrica que falei pra vocês que era 12/1 ou 9/1, então ela é muito mais rica quando o motor não está ainda na temperatura ideal, o que faz com que na “fase fria” o consumo seja pior.
Outro ponto que não falei ainda é que quando você pisa fundo, a mistura também fica rica.
Portanto, se você usa o carro em percursos curtos, tipo para ir na padaria e voltar ou ainda usar muito o “pé embaixo”, seu consumo nunca será igual ao mostrado na etiqueta.
3) Meu carro é classe “A” na etiqueta, mas não concordo
A classificação de classes obedece a alguns fatores para que sejam comparados carros de mesma categoria.
Um carro classe “A” sendo SUV será muito mais “beberrão” que um classe “A” popular. Isto posto, atente-se se você não está esperando que um carro pesado, automático tenha o consumo de um carro popular, por exemplo.
Os fatores acima também se aplicam neste item.
4) Meu carro anterior rodava uma semana antes de reabastecer e este 4 dias
Pode acontecer do novo carro ter tanque de combustível menor que o anterior, aí vai ter mesmo que visitar mais o posto. O lado positivo é que você vai estreitar a amizade com o frentista…
Dicas para um consumo menor:
Independente de qual carro você tiver estes conselhos são importantes.
∙ Evite utilizar seu carro em percursos muitos curtos, isto faz com que você ande muito tempo na fase fria e portanto “mistura rica”;
∙ Não estique marchas além do necessário, normalmente a troca ideal é ao redor da rotação de torque máximo do motor;
∙ Se puder trocar de marcha em rotações mais baixas, ainda melhor;
∙ Não ande mais rápido do que a via permite, caso contrário, além de gastar mais combustível, vai gastar mais os freios, freando mais do que necessário;
∙ Não utilize o ar condicionado se estiver com vidros abertos. Lembre-se que o ar condicionado “rouba” potência do motor (pode chegar a 7CV…) e, portanto, precisará de combustível para compensar;
∙ Não acelere seu carro desnecessariamente, por exemplo, parado no semáforo;
∙ Verifique a calibragem dos pneus ao menos mensalmente;
∙ Se possível, utilize pneus “verdes”, que são pneus com sílica e reduzem o arrasto de rolagem. Estudos mostram que estes podem gerar redução de consumo em algo como 2 a 4% dependendo das condições de uso;
∙ Se não liar para uma pequena degradação no conforto de rodagem, aumente a pressão dos pneus em algo como 3 PSI;
∙ Evite acelerar com o máximo de pedal (pé em baixo) pois a mistura fica rica, aumentando o consumo. Prefira reduzir marcha.
*As opiniões manifestadas nesse texto são de responsabilidade exclusiva do autor.