Por que quando o assunto são os veículos eletrificados somos obrigados a ser contra ou a favor, sem meio termo?
Experimente compartilhar uma reportagem sobre carros elétricos e espere pelos comentários. Não vai demorar muito. Se for um texto analisando as dificuldades que eles terão pela frente no Brasil, os fãs da tecnologia vão cair matando em você. Caso o foco seja no futuro promissor desses veículos na nova ordem mundial, os apaixonados pelos automóveis tradicionais vão acusá-lo de estar desconectado da realidade brasileira.
É como publicar nas redes sociais uma opinião sobre a política nacional: é uma espécie de disputa Lula x Bolsonaro do setor automotivo. Se discordar de alguma ação do atual presidente do Brasil, logo será qualificado de petista. Criticar atos passados do ex-presidente só pode significar que você é bolsonarista. Não existe meio termo, não há nuances. Todas as tintas aqui são carregadas.
Com o automóvel elétrico é a mesma coisa. Eu vivenciei isso na última semana, depois da publicação da coluna “O que ninguém conta sobre os carros elétricos” (clique aqui para ver, mas recomendo a leitura depois deste texto, para formar sua opinião de modo mais imparcial).
Como deixa claro o título, era um artigo dedicado a levantar questões pouco conhecidas pelo público, sem o objetivo de ser positivo ou negativo. Aliás, o texto expõe os prós e contras mais conhecidos já no primeiro parágrafo. Porém isso não bastou. A guerrilha virtual pró-elétricos atacou, inflamada. Ao mesmo tempo, os amantes da gasolina leram como uma declaração profética do fim dos veículos movidos a eletricidade.
Conversando com outros colegas de profissão, todos dizem que é assim mesmo. Uma boa parte desse público não quer saber de ouvir fatos embasados em números ou teses polêmicas mesmo que bem fundamentadas. “Querem apenas ler algo que corrobora seu ponto de vista”, me confidenciou um jornalista. E o roteiro é sempre o mesmo. Quando o autor faz uma crítica, ele é contra o meio ambiente, contra a modernidade ou contra a evolução tecnológica. Quando elogia, trata-se de um elitista que desconhece o verdadeiro Brasil.
Agora vou dar uma notícia a quem é 100% contra o carro elétrico: sinto informar, mas ele é o futuro. Pode até demorar a chegar no caso do Brasil, mas é inescapável como um produto que conquistará cada vez mais a curiosidade do público e o espaço nas ruas, assim que houver uma queda do preço. No mercado brasileiro, os elétricos começarão invadindo o segmento dos veículos comerciais, como frota para entregas ou transporte de carga em centros urbanos.
Portanto, conforme-se que as pessoas vão querer cada vez mais conhecer um veículo elétrico. E a grande maioria delas se encantará pelo silêncio, pela rapidez de resposta do motor, pelo ar de modernidade. Depois, não pensarão mais em retornar aos prazeres tão peculiares de um motor a combustão. Do mesmo modo que os brasileiros estão trocando hoje os sedãs e peruas por SUVs e não cogitam voltar atrás.
Agora vou dar uma notícia a quem é 100% a favor do carro elétrico: a implantação em território nacional vai demorar mais do que se esperava, será uma solução voltada quase que exclusivamente para uso urbano e ainda corre o risco de disputar espaço com o álcool como alternativa ambientalmente correta.
Portanto, conforme-se que em alguns países os elétricos poderão se comprovar como solução mais poluente do que se imaginava, já que nesses locais a geração de energia vem da queima de combustíveis fósseis, às vezes menos sustentável do que se usassem veículos com modernos motores a combustão supereficientes. E pode esperar: a necessidade de reciclagem das baterias ainda vai gerar uma nova discussão para um problema que hoje é ínfimo.
Em resumo, sugiro que todos debatam a mobilidade elétrica do mesmo modo que fazemos com a política: ou não discutimos o assunto em público ou conversamos apenas com pessoas que pensam como nós. Garanto que assim você terá um debate muito mais tranquilo e civilizado. E também mais pobre e alienado.
*As opiniões manifestadas nesse texto são de responsabilidade exclusiva do autor.