A motovelocidade deu um show de competitividade logo na primeira etapa de 2021. Com muita inteligência o espanhol Maverick Viñales administrou os pneus e deu a primeira vitória à Yamaha oficial. Como sempre foi uma corrida eletrizante que suspense até poucos metros da bandeirada e teve de tudo: ótima estreia da dupla Pecco Bagnaia e Jack Miller na Ducati oficial, decepção da equipa Yamaha-Petronas; desempenho sensacional do campeão Joan Mir e o veterano Johan Zarco mostrando seu lado mais competitivo.
A corrida, bem a corrida pode ser vista em detalhes nas repetições pelos canais ESPN/SporTV, ou mesmo pelo canal oficial da Dorna o MotoGP.com. Por isso vou ficar mais na análise do que pudemos ver neste domingo e tentar projetar o que está por vir.
Em 2020 o australiano Jack Miller disse que para os pilotos da Ducati a posição de largada era o menos importante. Contando com um sistema eletrônico de largada muito mais eficiente do que as demais equipes, Miller explicou que pode largar em qualquer posição até a segunda fila que consegue chegar na primeira curva em primeiro.
Pura verdade. No Qatar só não conseguiu chegar em primeiro porque na frente dele estava Francesco Bagnaia com outra Ducati oficial, autor da pole-position. Aliás foi a primeira pole de Bagnaia na categoria, mas não na carreira, como foi dito na transmissão.
Que a Ducati é a moto mais veloz da categoria todo mundo sabe, mas vale a pena detalhar mais como ela conseguiu essa supremacia. Primeiro pela arquitetura do motor com quatro cilindros em V e comando de válvulas desmodrômico, que dispensa molas. Mas o grande salto foi na aerodinâmica.
Por décadas os engenheiros não deram muita importância à aerodinâmica. Porque nas motos tem um componente que atrapalha demais que é o piloto se mexendo pra todo lado. A primeira marca a pensar nisso foi a Moto Guzzi, em 1950, que construiu o primeiro túnel de vento da indústria, porque seus fundadores eram aeronautas. Assim nasceu a carenagem integral que mudou pouco nestes quase 70 anos.
Mas desde a chegada do ano 2000, com motores quatro tempos de 1.000 e 900cc, as motos da MotoGP começaram a ganhar mais velocidade em reta e começaram os estudos mais profundos, principalmente para manter a frente fixada no chão acima de 350 km/h. Lembre que esta é a velocidade que um Airbus levanta voo.
Surgiram as pequenas asas dianteiras, discretas, mas eficientes e a velocidade nas retas aumentou ainda mais até atingir os 355 km/h no Qatar sem correr o risco de o pneu dianteiro perder aderência. Essa estudo aerodinâmico deixou as equipes mais confiantes para incrementar ainda mais a potência.
Outro fator determinante para a evolução das motos nesta etapa foi o trabalho mais antecipado dos fornecedores de pneus. Em 2020 a temporada foi atrasada tanto que o “circo” chegou na Europa já no outono (com temperaturas mais baixas), o que jogou fora todo trabalho antecipado para escolha de pneus. Virou uma loteria e isso – e apenas isso – foi que levou algumas equipes a viverem altos e baixos tão malucos. Um piloto vencia uma etapa e na seguinte chegava em 18º. Não é o padrão da MotoGP. Em 2021 não vamos ver essas diferenças tão grande de desempenhos de uma mesma equipe.
A corrida viu a largada fulminante das duas Ducati oficiais e a dificuldade de as Yamaha em acompanhar nas primeiras voltas. Bagnaia e Miller despacharam o resto e logo tiveram a companhia do bravo Zarco. Parecia que a Ducati faria 100% do pódio, mas esqueceram que potência não é nada sem controle de tração. No pelotão da frente Fabio Quartararo (Yamaha) e Viñales estavam num bom ritmo, economizando borracha.
Em 2020 as Yamaha oficiais perdiam muita velocidade em reta. Parece que foi resolvido, porque ficaram apenas 4 km/h abaixo das Ducati. Com um motor mais forte (com arquitetura de quatro cilindros em linha), Viñales sou esperar a hora de atacar e assumiu a ponta na metade da prova para chegar um segundo à frente dos demais.
Nas duas últimas voltas Joan Mir chegou nas Ducati e mostrou muita frieza para passar os dois, visivelmente com pneus em dia, graças ao desempenho mais suave da Suzuki (também com motor de quatro cilindros em linha). Poderia ter terminado em segundo não fosse um erro na última curva da última volta! Ele ultrapassou Zarco na curva 15, penúltima. Quando chegou na 16 fechou a trajetória para não ser ultrapassado, mas isso fez perder rotação na saída da curva e foi engolido pelas Ducati de Zarco e Bagnaia. Mesmo assim Mir colocou as cartas na mesa e mostrou que não foi campeão por acidente.
Decepção foi o desempenho de Franco Morbidelli (Yamaha/Petronas) que teve problemas de potência e ficou muito pra trás. Também decepcionaram as Honda, com Pol Espargaro em 8º e Stefan Bradl em 11º. Ótima estreia de Enea Bastianini (Ducati) terminando em 10º. Em 2021 parece que as coisas voltarão ao normal na categoria rainha e os protagonistas deverão ser os pilotos da Ducati. Assim que acostumarem com o consumo de pneus.
250: deu a lógica
A bem da verdade, em 2020 não foi Enea Bastianini que venceu o mundial de Moto2. Mas foi Sam Lowes que perdeu. Ele tinha uma enorme vantagem e poderia administrar até a última etapa. Mas a três provas do fim sofreu uma queda que custou caro. Mas ele sempre foi o piloto mais bem adaptado e experiente da categoria. Além disso, a estrutura da Marc VDS é a melhor de todas. Não foi surpresa nenhuma a vitória do britânico, colocando 2.2 segundos sobre Remy Gardner, agora na equipe de fábrica KTM.
O destaque fica para Raul Fernandez, recém promovido da Moto3 conseguindo um ótimo quinto lugar e para o australiano Remy Gardner, que teve uma temporada difícil em 2020 por conta de uma estrutura enxuta, mas que agora vai ter toda KTM trabalhando pra ele. Fabio Di Giannantonio deu um pódio para a equipe Gresini, para felicidade da equipe que perdeu o maneger e dono Fausto Gresini, semanas antes da prova, vítima de Covid-19. Para completar, Joe Roberts fez um bom treino se classificando em terceiro na estreia na equipe Italtrans, mas na corrida ficou em sexto.
Moto3: o pau de sempre
Pode mudar o nome, motor, chassi, pneu, pilotos, pista, pode mudar tudo, mas a Moto3 continua sendo a categoria mais equilibrada da Motovelocidade. O segredo é um regulamento que limita a preparação e jovens pilotos com testosterona saindo pelos ouvidos.
A maior das surpresas – ótima – foi a estreia do espanhol Pedro Acosta (KTM) recém chegado da Rookies Cup, categoria para novatos. O espanholito surpreendeu com a segunda posição na estreia e pode anotar esse nome, porque pelo que andou vai dar muito trabalho aos “veteranos”.
Teve o cardápio completo: quedas coletivas, vários toques entre os pilotos, ultrapassagens viscerais e a chegada decidida na bandeirada. O vencedor foi Jaume Masia (KTM) com enormes 0,042s de vantagem sobre Acosta, que chegou a liderar a prova. Também destaque para o Argentino Gabriel Rodrigo (Gresini), que conseguiu o quinto lugar na raça. Darryn Binder (Honda) em terceiro e Sergio Garcia (GasGas) em quarto fecharam os cinco primeiros colocados.
Pode se preparar para uma temporada de acabar com as unhas das mãos!