O debate sobre a necessidade ou benefícios de se usar um ou outro tipo de gasolina é sempre motivo de muita discussão, às vezes muito apaixonada, deixando a racionalidade de lado. Soma-se a isso um emaranhado de nomes comercias de cada fabricante e siglas técnicas (MON, RON, IAD), que em nada facilitam a vida do consumidor para decidir qual combustível usar sem jogar dinheiro pelo ralo.
Vamos começar a desenrolar este nó por partes. Em primeiro lugar, deixando claro que existem basicamente só 2 tipos de gasolina: a comum e a premium. Mais ou menos como antigamente, quando existia a gasolina amarela e a azul (isso só os cinquentões para cima entenderão!)
O que basicamente difere uma da outra?
A octanagem. Ela nada mais é do que uma referência de quanto o combustível suporta ser comprimido sem entrar em combustão. Portanto, quanto maior a octanagem, mais o combustível pode ser comprimido sem acontecer a “pré-ignição” ou “batida de pino”, que pode chegar a furar a cabeça de um pistão. No “box técnico” ao fim desta matéria explicamos melhor o que ela significa e como e porque acontece. Se você curte uma pegada mais técnica, não deixe de ler!
Como se calcula a octanagem?
A octanagem é uma escala que foi definida tendo-se como referencia dois compostos: o isoctano, ao qual foi atribuído o valor zero e o heptano, ao qual foi atribuído o valor 100. Isto já nos demonstra que um combustível pode ter uma octanagem menor que 0 ou maior que 100!
No Brasil então, como mencionado anteriormente, possuímos 2 tipos de gasolina: comum, com 92 octanas e premium, com 97 octanas (isso varia um pouco dependendo da marca). Há algum tempo, surgiu a gasolina aditivada, que possui a mesma octanagem que a comum (92), mas à qual são adicionados dispersantes e detergentes. O detergente ajuda a limpar bicos, sede de válvulas e cabeça de pistão. Já o dispersante ajuda a quebrar as moléculas para facilitar a sua combustão.
A gasolina premium, além de dispersantes e detergentes, por ter um processo de refino do petróleo mais apurado, traz maior octanagem e também dura mais que as outras duas. Isto é, não oxida.
Vamos continuar com as perguntas:
No tanquinho do carro flex, qual delas é melhor usar?
Eu recomendo a premium. Por ser em pequena quantidade, não vai pesar tanto assim no bolso. E há menor chance de ficar “velha” e oxidar, perdendo as frações mais leves do combustível. Gasolina oxidada tem maior dificuldade de entrar em combustão e dá mais depósito.
A durabilidade da premium é via de regra o dobro da comum, que são algo ao redor de 3 meses no tanque. Um ponto controverso são as aditivadas. Algumas empresas alegam que as suas aditivadas duram mais. Não há como contestar isso pois nenhuma marca abre a composição da sua aditivada. Por via das dúvidas, se puder, coloque premium ou pouca da aditivada/comum para não deixar ficar muito tempo no tanquinho e oxidar (isso mesmo, gasolina “enferruja”…)
Tenho um carro flex. Uso comum, aditivada ou premium?
A premium é jogar dinheiro fora. Seu carro flex, exceto nos casos em que a montadora assim o indicar, pode rodar tranquilamente sem premium. Mas qual então usar? Aditivada ou comum?
Eu prefiro sempre gasolina com aditivo. Não necessariamente o aditivo que já vem do fabricante. Mas por quê? Simplesmente pelo fato que eu não sei qual aditivo é colocado e não tenho certeza se a concentração é efetivamente boa ou baixa. Eu prefiro sempre colocar uma boa gasolina comum e colocar, a cada 2 tanques, um aditivo comprado à parte, de boa marca. Dá pra comprar bons aditivos pela internet em caixa fechada pagando 10 reais a embalagem. O problema base para mim aqui não é gasolina comum x gasolina aditivada, mas gasolina boa x ruim. A ruim sim dá borra e enche de depósito as válvulas e cabeça de pistão. Via de regra, se quiser usar a comum, encha em posto de bandeira conhecida e prefira os que vendem gasolina premium. A auditoria do fabricante tende a ser mais frequente, por mais que não admitam publicamente.
Posso usar sempre gasolina comum e de repente usar aditivada? Isso não vai prejudicar o motor?
Na minha opinião pode alternar e isso não vai prejudicar o motor. Aquela história de que a gasolina comum vai criar depósito e a aditivada vai soltá-los e entupir bicos para mim só para em pé em duas condições muito extremas, que precisariam acontecer ao mesmo tempo: gasolina comum muito ruim usada por muito tempo e um aditivo super hiper forte. Para mim isso é mais difícil de acontecer do que cair um avião na sua cabeça em plena Avenida Paulista. Entretanto, vi um aditivo da STP que menciona ser de uso profissional e que por ser ultra concentrado, não deve ser usado no posto, mas sim no mecânico, para o caso de soltar os depósitos e o carro começar a falhar na rua e te deixar na mão. Se isso acontecer no mecânico, você só vai ser poupado do incômodo de pegar/pagar um guincho, pois vai ter que limpar os bicos de qualquer modo. Entendo isso mais como um “disclaimer” do fabricante para se proteger de reclamações do que uma chance real disso acontecer.
Então a gasolina aditivada é um engodo?
Não, apenas acho que não vale um centavo a mais. Se for o mesmo preço, uso. Se não, não uso. Mas aí fica uma pergunta: se tem algo de bom a mais nela, por que custaria o mesmo preço? Altruísmo do fabricante? Não acredito em milagre deste tipo… E se o posto para igualar o preço com a comum estiver te roubando na quantidade da aditivada? Tenho muito receio disso.
Usar gasolina premium no meu carro flex vai deixá-lo mais econômico ou potente?
Não. A maior octanagem não vai ser aproveitada pelo motor. Para isso acontecer, seu sistema de injeção precisaria ir sempre adiantando o ponto de ignição até o combustível começar a detonar e então corrigir atrasando levemente. Isso seria um modo pro-ativo de buscar o melhor do combustível, o que tecnicamente é possível, mas não acontece pelo que eu saiba nas injeções de fábrica. O que normalmente há é ser um sistema apenas reativo. Tem um mapa de injeção pré-definido e em caso de acontecer a pré-ignição a injeção atrasa o ponto para mitigar isso.
E o etanol, como fica? Posso usar etanol e alternar com gasolina?
Para mim sim. Não existe esta história do motor ficar “viciado” em um combustível ou em outro. Computador não se “vicia”. Sonda lambda faz a correção. Balela de frentista ou desavisados.
O etanol é melhor que a gasolina premium?
Depende do ponto de vista. Eu acho que sim. Mas tem quem não ache pelas razões descritas à frente. Vale lembrar uma coisa: o etanol tem octanagem de 110. Muito maior que até a premium. Então, no meu carro flex, uso sempre álcool. Mesmo sabendo que a bomba de combustível vai durar menos. Esse é o grande ponto negativo do etanol para mim. Entretanto, uso porque ambientalmente o etanol é muito mais limpo que a gasolina. Quando a cana cresce, sequestra CO2 da atmosfera para fazer a fotossíntese. Isso a gasolina nunca fará, pois é um combustível fóssil. Vamos lembrar que o petróleo nada mais é que restos de animais, vegetais e pedras que ficaram submersos entre as rochas por milhões de anos e viraram aquela mistura negra. Certamente tem pedaços de dinossauros, árvores e rochas ali. O petróleo são grandes cadeias de hidrocarbonetos. Para ser feito, nunca sequestrou 1 grama de CO2. Além do mais, o etanol dá menos borra e depósito de carbono. Em teoria, o etanol serve como um solvente dos depósitos do motor. Por isso que quase não se vê por aí o etanol aditivado. Etanol aditivado para mim é uma das maiores aberrações da indústria – os fabricantes que me desculpem. Por fim, o etanol é uma cadeia de hidrocarboneto mais curta que a gasolina. Cadeia mais curta significa maior resistência à quebra. Portanto suporta maior compressão efetiva do motor. A analogia aqui é simples: uma barra de 1 metro é mais fácil de ser quebrada no meio do que uma barra de 0,5 metros.
Adicionalmente, acho que a chance de um álcool ser batizado é menor que a gasolina, pois ele é mais facilmente identificado. Na gasolina podem colocar solvente e muito álcool. Aí você vai pagar gasolina @27% de álcool e levar mais álcool que isso (e talvez algum solvente), sem perceber nada, apenas um consumo maior, caso seu carro seja flex. Já para batizar o álcool, ou você vai ser roubado na quantidade ou por adição de água. Se colocarem água, o carro vai falhar assim que sair do posto. Se te roubarem na quantidade, vai ser mais difícil de perceber, mas pelo menos o motor não vai sofrer…
Por que os carros preparados normalmente são apenas a etanol?
Justamente pela octanagem maior. Uma octanagem de 110 permite estripulias no mapa de injeção e ignição e extrair mais do motor. Mesmo o etanol tendo um poder calorífico menor que a gasolina. Isto significa apenas que é necessário mais etanol que gasolina na câmara de combustão para dar a mesma potência. Na média, o poder calorífico da gasolina são 9.600kcal/kg e do etanol são 6.100kcal/kg. Daí a conta dos 70% no preço da bomba!
BOX TÉCNICO
Como se mede a octanagem?
A octanagem se mede de dois modos diferentes: RON (Research Octane Number) e MON (Motor Octane Number). Ambas medem com o motor em carga alta. Entretanto, a RON é medida em rotações mais baixas que a MON. Com isto, o RON via de regra dá um valor por volta de 10 octanas a mais que o MON. Há também um método adicional, é o IAD (Indice Anti-Detonante), que é simplesmente a média aritimética entre MON e RON (MON + RON /2).
O que é a “batida de pino”?
Enquanto o pistão sobe, no tempo de compressão, o combustível só deve começar a entrar em combustão quando há a faísca da vela. A combustão então acontece em “camadas”, onde uma parte do combustível explode, pressiona mais ainda o restante e isso ajuda as demais camadas a explodirem. A combustão do ciclo Otto (gasolina e álcool) é uma combustão “suave”, diferentemente do ciclo Diesel, onde não há vela de ignição e o combustível explode todo de uma vez. A batida de pino é uma pré-ignição: o combustível explode antes do momento que deveria. Imagine um pistão subindo com força no tempo de compressão e recebendo uma martelada na cabeça. Se não for corrigido, vai quebrar. Simples assim.
O que significa uma octanagem de 91 octanas?
Significa que o combustível se comporta como se comportaria uma mistura feita com 91% de isoctano e 19% de heptano.
Por que no Brasil se adiciona álcool na gasolina?
Por algumas razões, entre elas aumentar o consumo de etanol e privilegiar um combustível nacional, que não precisa, na grande maioria das vezes, ser importando e impactar nossa balança comercial.
Há também um motivo técnico: aumentar a octanagem, uma vez que nossa gasolina normalmente não possui alta octanagem. Em resumo, ao invés de fazermos uma bela gasolina, fazemos uma gasolina de menor octanagem e adicionamos álcool. Anteriormente era usado o chumbo (tetraetil e tetrametilchumbo) como aditivo para aumentar a octanagem. Entretanto, como este é um composto altamente tóxico, o mesmo foi banido da gasolina em escala global.
Por que o motor a diesel, via de regra, faz mais barulho que o a gasolina/álcool?
Isto acontece porque no motor ciclo diesel, o combustível é muito pressionado até explodir, todo de uma vez. Por isto aquele barulho característico do diesel. E por essa mesma razão, é mais caro, pois tem que ser mais resistente, uma vez que a pressão interna é muito maior que a do motor a gasolina/álcool. Entretanto, nada justifica a distorção de preços praticados por marcas onde a versão a diesel do carro é muito mais cara que a versão a gasolina/álcool. Claro que um diesel é mais caro, mas não na proporção do preço praticado. Isto para mim é margem de lucro do fabricante.