Das quatro categorias, os pilotos italianos venceram em três
Deve ser a água que eles bebem! Assim os ingleses se referiam aos pilotos brasileiros que chegavam na Inglaterra para disputar as campeonatos de Fórmula Ford e F-3. Os brasileiros ganhavam tudo e isso assombrava o mundo do automobilismo. Pena que no motociclismo quem tem água benta é a Itália, afinal o Papa vive lá. Ok, os espanhóis também celebram vitórias seguidas nas quatro categorias. Mais do que qualquer milagre, essa hegemonia tem a ver com campeonatos de categorias de base muito fortes e equilibrados.
O Grande Prêmio de San Marino, disputado neste domingo na bela Riviera de Rimini, em Misano, teve de tudo: Eric Granado fez uma corrida difícil depois de largar em último e terminar em 10º. John McPhee largou em 17º e foi o único não-italiano a vencer no fim de semana. Luca Marini engatou um ponto morto no meio da curva, mesmo assim venceu na Moto2. E Franco Morbidelli conseguiu sua primeira vitória na MotoGP, tornando o quinto vencedor diferente nas seis etapas do estranho ano de 2020.
MotoE: castigo
Tudo bem, é regulamento: se exceder os limites da pista sofre punição. Como na MotoE os pilotos só tem uma volta para fazer a classificação, se perder essa volta fica sem tempo. Foi o que aconteceu com Eric Granado. O brasileiro fez a pole, mas excedeu o limite. Foi obrigado a largar em último e conseguiu uma bela recuperação para chegar em 10º. Ele ficou enroscado no pelotão e não conseguiu se livrar, porque tinha equipamento para brigar por posições melhores.
A corrida foi vencida pelo atual campeão Matteo Ferrari, depois de largar em quarto também por causa de punição. Ferrari fez a pole de fato, mas como ele foi considerado culpado pelo acidente com Eric Granado na segunda prova de Jerez perdeu três posições. Foi o tempero que precisava para deixar a corrida ainda mais apimentada com os seis primeiros se pegando até o final das sete voltas.
Temos de entender a MotoE ainda como um grande laboratório. Muita coisa já melhorou, mas ainda está longe de ser uma moto de competição com o mesmo carisma das motos com motor a combustão. A bateria pesa uma enormidade, quase como se o piloto tivesse um bujão de gás entre as pernas. Mexe com o centro de massa e deixa a moto mais complicada nas frenagens. Além disso o motor elétrico não tem câmbio, nem embreagem. Na largada é difícil modular o acelerador para não empinar. Podemos colocar pelo menos mais uma temporada completa para ver os rumos da categoria.
Quanto ao Eric, acredito mesmo que ele receba convite para a Moto2, dessa vez em uma equipe decente. Ele carimbou esse passaporte nas duas últimas provas de 2019 e nas duas primeiras de 2020. Só não está mais bem colocado por causa da traulitada do Matteo Ferrari. O bom é que ele está motivado e a equipe é de qualidade.
Moto3: McPheeeeeeee
É a categoria mais equilibrada do mundial. Marcas diferentes de motores e quadro, mas isso não muda nada. Só de ver o que aconteceu na classificação ilustra esse equilíbrio: do primeiro, Ai Ogura, ao 17º, John McPhee, a diferença foi de menos de um segundo. Sei que é repetitivo explicar isso, mas a posição de largada na motovelocidade é menos importante do que no automobilismo. Mais ainda na Moto3, porque a pista de San Marino tem longas retas que permite pegar vácuo. Se o piloto consegue essa ajuda pode subir 10 posições. Ou perder!
Narrar a Moto3 é para matar de enfarte. Não tem 500 metros de pista sem que esteja um piloto ultrapassando outro. Já antes da largada dava para apostar em qualquer um dos 20 primeiros colocados no grid de largada. O argentino Gabriel Rodrigo é sempre um candidato a vitória, mas alguma coisa nele o faz perder ritmo no quarto final. Não é pneu, porque a Moto3 não consome pneu. Não é motor, porque motores 250 quatro tempos não perdem rendimento ao longo da corrida. Só pode ser emocional. Um caso mais para divã do que técnico.
O líder, Albert Arenas chegou a estar em terceiro. Se terminasse nessa posição abriria quase 30 pontos de vantagem. Mas ficou embolado com os seis primeiros colocados e acabou sendo tocado de leve, perdeu a linha da curva, entrou na sujeira e… pimba! Caiu. Pra piorar seu domingo o vice líder do campeonato, John McPhee fez uma última volta de gênio para cruzar em primeiro. Não é incomum um piloto largar abaixo de 15º lugar e vencer. Este ano isso já aconteceu na Moto2 com o Tatsuta Nagashima. O pódio na Moto3 foi completado pelos japoneses Ai Ogura e Tatsuki Suzuki. Com a segunda corrida sem marcar pontos o espanhol Arenas continua liderando, mas a diferença caiu para apenas cinco pontos para Ogura.
Moto2: Covid nele
Dois desfalques na Moto2: Jorge Martin, que testou positivo para Covid-19 e Remy Gardner que largaria na pole-position, mas caiu no warm-up e quebrou o pé esquerdo. Cair no warm-up é atestado de ingenuidade, porque esse treino não serve para definir nada, apenas para checar se está tudo em ordem com a moto e a com a pista. Não é para baixar tempo!
Antes mesmo de as motos alinharem para o grid todos os pilotos da Moto2 subiram uma posição na largada. Assim, a primeira fila ficou tutti a casa, com três pilotos italianos: Luca Marini, Marco Bezzecchi e Enea Bastianini. Largaram e chegaram nesta ordem, algo bem raro de se ver nesta categoria.
Mas, lendo assim, parece que foi entediante. Na verdade Marini e Bezzecchi trocaram de posições várias vezes. Numa delas Marini foi reduzir de segunda para primeira marcha mas entrou no ponto-morto! Quase perdeu a curva, conseguiu segurar em ainda venceu a prova. Bastianini também quase foi pro chão, deu uma salvada à Marc Márquez, fez um sprint final emocionante, mas não conseguiu superar Bezzecchi.
Pode-se entregar o prêmio de “piloto do dia” para o inglês Sam Lowes. Ele foi punido por ter causado uma forte colisão no GP da Estíria e obrigado a largar dos boxes. Fez uma corridaça e terminou em oitavo a apenas 16 segundos do vencedor. Imagine se ele largasse na posição normal. Com o pódio 100% italiano a Moto2 lembrou um campeonato italiano. Difícil mesmo foi entender o que os três falaram na entrevista do paddock antes do pódio. O dialeto “anglo-italiânico” desafia qualquer tradutor simultâneo.
Com este resultado Luca Marini se isolou na liderança do campeonato e praticamente sacramentou sua subida para a MotoGP em 2021. Atrás dele estes dois mesmo: Bezzecchi e Bastianini.
MotoGP, a primeira de Franco
Morbido em italiano significa macio, fofo. Este é o apelido de Franco Morbidelli, piloto romano de 26 anos, da Yamaha, que teve uma vida difícil. Nunca contou com muita verba para correr de moto, mesmo assim foi campeão na extinta categoria Super Stock até ser “adotado” pela academia VR 46 de Valentino Rossi. Foi campeão mundial de Moto2 em 2017 e em 2018 estreou na MotoGP. Agora que já sabe quem é, veja o que ele fez.
Morbido fez uma largada perfeita, assumiu a ponta na primeira curva e desapareceu na frente dos outros. A Yamaha tem uma característica do motor quatro cilindros em linha que a torna rápida no contorno das curvas. Por outro lado, os motores V-4 conseguem frear mais dentro da curva e acelerar antes. Quando um piloto de Yamaha se isola no primeiro lugar tem mais facilidade para abrir uma folga, mas se embolar com as motos com motores V-4 fica difícil ultrapassar e fugir deles. Pode reparar: as três vitórias da Yamaha foram com o piloto se isolando na frente.
Excelente largada de Valentino Rossi que pulou para segundo e conseguiu se defender dos ataques insanos do inconstante Jack Miller na melhor Ducati até o momento. Durante boa parte da prova estes três se distanciaram dos demais: as Suzuki de Alex Rins e Joan Mir e a Ducati do convalescente Francesco Bagnaia. Até metade da prova os três primeiros se mantiveram nas suas posições, mas Miller começou a perder ritmo, enquanto Bagnaia e as Suzuki começavam a escalar posições.
Num desempenho heroico Bagnaia superou Rossi e foi para cruzar em segundo. Para Valentino seria a chance de finalmente alcançar o 200º pódio da carreira, mas Joan Mir arrancou essa chance na última volta!
A vitória gigantesca de Morbidelli serviu para lavar a alma da Yamaha depois das duas provas decepcionantes na Áustria. Por outro lado as KTM sumiram na etapa de Rimini e as Honda, bem, para a Honda é melhor esquecer que houve 2020. E não pense que a volta de Marc Márquez vai levar a moto de volta ao topo do pódio. Neste período que a marca oficial ficou sem seu principal piloto as outras equipes estão evoluindo. Com um Alex Márquez estreante e Stefan Bradl como piloto reserva não dá para esperar uma melhora no equipamento.
Um acidente com lesão nunca será algo a comemorar, mas a ausência do Marc Márquez deu um equilíbrio tão grande na categoria que Andrea Dovizioso, sexto colocado, saiu líder do campeonato, seis pontos à frente de Fabio Quartararo. Falando nele, caiu duas vezes no mesmo dia e viu a liderança do mundial mudar de mãos. Pelo menos ainda está em segundo, seis pontos à frente de Jack Miller.
Domingo que vem tem mais, na mesma pista!