Leia com atenção, porque uma delas pode ser sua primeira quatro cilindros
Em meados dos anos 1970 a Honda lançou uma moto de 400cc que se tornou uma das mais colecionáveis do mundo: a CB 400Four. O que ela tinha de charmoso eram os escapes 4×1 em curvas delicadas. Passados 44 anos a Honda resgatou aqueles escapes curvos na nova linha CB 650R, em duas versões: CB 650R NSC e CBR 650R. E não se trata de um facelift da linha 650F. A letra F indicava Fun (diversão), motos para turismo. Agora a letra é R, de Racing.
A convite da Honda fomos conhecer essas motos de perto. A programação começou com a CB 650R que obedece o conceito Neo Sport Café, inaugurado com a CB 1000R. Logo de cara as curvas dos escapamentos chamam a atenção e foi uma sacada genial do pessoal de design. Este projeto é uma tentativa de fazer de uma moto produzida em série algo parecido com uma customização. Por mais estranho que isso pareça, deu certo. Este conceito “Neo Sport Café” é uma forma de customizar a moto na origem.
Começando pela traseira. A lanterna fica embutida no banco e o que se parece com um para-lama não passa de uma tira de plástico para pendurar a placa. É a industrialização do eliminador de para-lama. Outro elemento vindo diretamente da customização é o guidão de secção variável, de alumínio, que mantém o corpo do piloto levemente inclinado pra frente, uma posição de pilotagem um pouco mais esportiva se comparada com a CB 650F. Este guidão é um dos primeiros itens que os customizadores buscam.
As pedaleiras estão mais elevadas e isso pode complicar a vida de quem tem mais de 1,80m, mas pra mim (com meus enormes 1,68m) serviu como se feita sob encomenda. O que me deixou mais bem impressionado com esta postura é conseguir colocar os dois pés no chão e a sensação de leveza. De fato ela ficou 4 kg mais leve em relação à F, mas não é isso. Foi como se eu tivesse de novo montado naquela CB 400Four da minha juventude. Só que a 400cc tinha apenas 38CV enquanto essa 650 tem 88,4 CV.
Desfrutável
Depois que a Honda surpreendeu o mundo com a popularização dos motores quatro-em-linha ao lançar a CB 750Four em 1968, surgiram várias versões com esta configuração. Inclusive uma CB 350Four, mas quem fez o papel de inaugurar muita gente no universo Four foi a CB 400Four e seus charmosos escapes curvos.
Só a título de curiosidade, nos anos 70/80 as motos 750Four eram o sonho de consumo. E o primeiro acessório instalado (até hoje) era o escape 4×1. Se Soichiro Honda vir a ser canonizado um dia, será pela criação do motor Four em linha transversal. Mas o cara que inventou o escape 4×1 também vai para o céu. A mágica desse ronco vinha de um outro sonho da época: os carros de Fórmula 1. A maioria tinha motor Ford V-8 com duas saídas de escape. Ou seja, um motor V-8 era como se fosse dois motores de quatro cilindros, com dois escapes 4×1. O ronco de uma moto com escape 4×1 ficava muito parecido com o de um carro de F-1 e isso mexia com os hormônios daquela geração.
Assim que comecei a rodar com esta CB 650R veio tudo claro em minha mente. Ela é incrivelmente leve, mesmo tendo quadro perimetral de aço. Essa sensação de leveza fica mais evidente e, sem exagero, lembra uma moto de 300cc. O painel é completo totalmente digital, dentro de um pequeno retângulo. Aliás, pequeno demais. Para sorte dos over 60 o indicador de marchas e o velocímetro tem dígitos grandes, mas o conta-giros só com óculos. Felizmente esse painel conta com shift light, aquela luz que acende quando atinge uma rotação programada. Para este teste foi marcado 6.000 RPM, o que dava algo por volta de 125 km/h em sexta marcha. Como a velocidade permitida nesta estrada era de 120 km/h a luz ficou mais tempo apagada, porque a esta velocidade o motor se mantém a 5.900 RPM. Na faixa acima de 6.500 RPM deu pra sentir a vibração do motor no guidão e pedaleiras, principalmente nas desacelerações, momento que todo motor vibra mesmo. Não chega a incomodar, mas é um pouco exagerado para um motor de quatro cilindros.
Tanto a versão Café quanto a R adotam o mesmo conjunto de suspensões, com bengalas invertidas na dianteira e monoamortecedor traseiro. Sobre esse conjunto vale ressaltar alguns dados. Esta é uma suspensão efetivamente upside-down como foi concebida na origem, com as bengalas fazendo funções diferentes: uma faz o trabalho hidráulico e a outra o mecânico. Como as bengalas estão fixadas na mesma mesa e presas no mesmo eixo, trabalham como se fossem uma peça só.
Já a suspensão traseira é comandada por um amortecedor bem inclinado, fixado diretamente na balança traseira de alumínio. Não tem links e isso é um atestado de eficiência. Tem regulagem na pré-carga da mola.
As rodas de 17 polegadas estão calçadas com pneus Metzeler 120 na frente e 180 atrás. Para uso civil são mais do que eficientes. Como são pneus radiais transfere um pouco das irregularidades do piso. Não tem muito como escapar disso. Mas nas ruas castigadas do Alto da Lapa, em São Paulo, chegou a incomodar. Graças às pedaleiras altas, passei boa parte do tempo apoiado nas pedaleiras como um jóquei. Não gostei da espuma do banco, muito dura para uma proposta de moto urbana/touring. Acho que a Honda poderia ter usado bancos de densidade diferente nas duas versões.
A única coisa que atrapalha levemente o deslocamento em baixa velocidade é o pouco esterçamento do guidão. Por causa do grande radiador o piloto precisa ficar esperto na hora de manobrar no meio dos carros.
Já na estrada é alegria pura. É uma moto raiz, sem nenhuma proteção aerodinâmica e se o piloto mantiver velocidade alta por muito tempo no final da viagem terá um pescoço de boxeador. Ainda acho um pouco estranho esse estilo com o farol achatado, entre as bengalas. A visão de quem pilota é que a moto não tem cabeça. Fica parecendo um inseto endocéfalo que nem uma barata.
Pista, pista e mais pista
Durante a viagem até o Haras Tuiuti passamos por uma estradinha cheia de curvas, lombadas e até trechos de terra. Foi a chance de avaliar o controle de tração e os freios ABS. Vou dizer: o usuário só vai se acidentar com essa moto se caprichar bastante na cagada. Depois vou explicar mais um pouco sobre o ABS e o controle de tração.
Juntando o roteiro cidade+estrada posso atestar que nenhum motociclista precisa mais do que isso. Uma moto na faixa de 600/750cc oferece desempenho, conforto e estabilidade em dose certa para curtir e não ir a falência por excesso de multa nem consumir gasolina como um carro. Não é a toa que a Hornet 600 foi, por muitos meses, a moto mais vendida em vários países europeus. A mais vendida geral, incluindo as pequenas.
Chegou o momento mais esperado que era o teste da versão R desta 650. Visualmente me agradou muito mais essa versão carenada. Mas uma coisa não consigo engolir que é esta traseira cotó. Na versão NSC até combinou, mas na esportiva ficou parecendo que o desenhista ficou com preguiça e parou de desenhar a moto no meio.
Em compensação a sacada de deixar uma “janela” na carenagem para expor as curvas do escapamento foi sensacional. Além de ajudar a arrefecer as curvas. A parte dianteira é uma clara inspiração na CBR 1000 Fireblade. Ficou simplesmente fantástica. O farol, a exemplo da versão “mansa” é full LED e permitiu criar um desenho mais fino com se fossem olhos amendoados de um monstro sanguinário.
A posição de pilotagem obviamente é 100% esportiva e pode ser desconfortável para quem vai na garupa. A CB 650 até aceita o passageiro sem muito estresse, mas a “R” re
cebe essa letra porque é uma alusão à RACING e você já viu moto de corrida com duas pessoas em cima?
Dentro da pista a ideia é acelerar e depois de duas voltas pra aquecer os Dunlop aumentei o ritmo e fui testar se o controle de tração funciona mesmo. Pra minha sorte funciona sim. É quase imperceptível e não chega a fazer o motor “falhar”. O sistema até é mais permissivo do que eu gostaria porque ele deixa a moto escorregar bem de leve e depois atua, quando o piloto já está quase enfartando.
O mesmo vale para os freios ABS. Na frente dois enormes discos com pinças radiais e na traseira o disquinho sem surpresas. O bom desse sistema é que só atua bem no limite mesmo e ainda permite frear até o meio da curva com a moto inclinada. O pessoal que for disputar a Copa CBR 650R vai se divertir demais!
Uma novidade do sistema de freios é um sistema batizado de ESS que faz as luzes da seta piscarem quando o piloto alicata os freios com vontade. A partir de 56 km/h se o acelerômetro percebe que a moto apresentou uma aceleração negativa acima de 2,5 m/s2 dispara um aviso para as luzes piscarem.
Falando em setas, tanto a 650 naked quanto a carenada trazem uma novidade em se tratando de moto nacional: as setas dianteiras permanecem acesas junto com o farol. Isso já é lei em alguns países e tem como objetivo mostrar para o motorista que aquela luz atrás dele é de uma moto e não a metade de um carro. É muito útil principalmente nos corredores à noite. Deveria se tornar obrigatório também no Brasil.
Erogabile
Mais uma vez colocaram o shift light para acender a 6.500 RPM. Santa inocência. Para um motor que tem potência máxima a 11.500 RPM e torque a 8.000 RPM. Deixar a luz indicativa a 6.000 foi só pra mantê-la acesa o tempo todo. Nas primeiras voltas eu ainda usava a quarta marcha, mas depois de uma conversa com o piloto e embaixador da categoria 650, Rafael Paschoalin, ele disse pra eu andar apenas em segunda e terceira. Aí nunca mais essa luzinha apagou.
Mas mesmo com este visual esportivo a ideia da Honda sempre foi produzir motos o mais “elástico” possível. É o que o Claudio Carsughi chamaria de “erogabile”, palavra em italiano que não encontra tradução em português, mas que poderia ser “desfrutável”.
De fato, fiz o teste de retomada de velocidade em última marcha, quando deixo a rotação cair até praticamente a marcha lenta, a 1.800 RPM, então giro o acelerador até o fim para ver a reação. No tempo das carburadas a moto apagava. Hoje, com toda eletrônica, o motor responde de forma linear, sem engasgo. Na prática isso se traduz numa moto que não exige tantas trocas de marchas. Fiz outro teste: rodar na pista inteira apenas em sexta marcha e mesmo nos trechos de subida ela respondeu sem pestanejar.
Mesmo as motos sendo essencialmente econômicas, sempre tem alguém preocupado com consumo. Pelo painel o usuário pode controlar o consumo por meio de dois trips com indicador de consumo instantâneo e médio. Pelos meus cálculos a média numa pilotagem normal civilizada deve ficar por volta de 18 km/litro, podendo passar de 20 com facilidade.
Um dos grandes desafios dos projetos que são vendidos no Brasil é conciliar desempenho com as rigorosas normas de emissões do Promot 5. Principalmente no que diz respeito ao ruído. Uma moto com motor Four tem um ronco que é música para ouvidos sensíveis. Mas com tanta restrição fica parecendo um som abafado. Mas acredite, a Honda conseguiu o que parece impossível: em regimes até 6.500 RPM o ronco do motor é bem baixo, mas a partir daí ela solta a garganta e pode-se ouvir o verdadeiro som da emoção. Bem parecido com o que já acontece com a CBR 1000RR Fireblade.
E, claro, a pergunta que todo mundo gosta de fazer: qual a velocidade máxima? Nunca fui muito de dar importância a isso e nem fui testar, mas pode acreditar em algo perto de 220 km/h como sendo normal para as duas versões.
Acredito que essas 650 são a escada natural de quem sai das 300, 400 ou 500 de dois cilindros e pretende entrar no universo sem volta das quatro cilindros. As cores disponíveis para a CB 650R são cinza, vinho e azul, enquanto para a CBR 650R são grafite e vermelho. Em termos de concorrência, a Yamaha aposta nos dois cilindros da MT-07 (R$ 39.300 e 74 CV), que até tem uma pegada esportiva, mas tem dois cilindros, né. O mesmo vale para a Kawasaki Ninja 650 (R$ 33.000 e 68 CV), mas a que pode ser chamada de concorrente é a Suzuki GSX-S750, com motor quatro cilindros de 114 CV a R$ 45.000, enquanto a CBR 650R está sendo lançada a R$ 41.080 e a CB 650R a R$ 39.416. A Triumph acabou de lançar a Street Triple 765 com motor de 123 CV, mas por R$ 54.000. Também a Ducati fica de fora da concorrência porque a Monster 797 é menos potente e bem mais cara: 76 CV e quase R$ 60.000. Além de um número bem maior de concessionárias, o pacote comercial da Honda inclui garantia de 3 anos e assistência 24 horas pelo mesmo período. Depois que a Yamaha tirou de linha a honesta XJ6, quem quiser ingressar no mundo Four tem aqui duas ótimas opções.