Não sejamos ignorantes.
Um treinador estrangeiro, quando chega ao Brasil, entra em contato com uma nova realidade. Embora o futebol seja universal, ele tem suas particularidades em cada país, e por aqui a coisa é bem diferente.
Jorge Jesus, como exemplo fresco em nossas memórias, não teve um início fácil no Flamengo. Contratado em junho, o português fazia seu primeiro trabalho no futebol sul-americano, e teve de lidar com dificuldades em julho, na derrota por 2 a 0 para o Emelec, pelas oitavas de final da Libertadores. Aquele era o duelo de ida, e o revés justamente aconteceu devido às escolhas infelizes de Jesus na escalação. Na volta, o rubro-negro devolveu o resultado e conseguiu a classificação nos pênaltis. Depois, seria campeão continental.
Foi uma quase eliminação? Foi. E, mais uma vez, isso aconteceu por erros do treinador, que ainda estava em fase de conhecimento do elenco e de experimentações. Isso faz parte do trabalho de qualquer técnico, brasileiro ou estrangeiro. Fica mais fácil no início da temporada, mas Jesus chegou na metade.
O início de Sampaoli também foi complicado. Levou tempo para se adaptar ao futebol brasileiro, e isso diz respeito ao novo calendário, à capacidade física dos atletas e à forma do brasileiro jogar. Foi assim também com Jesualdo, Bauza, Osorio… Qualquer estrangeiro que pisar em terras brasileiras, vai passar por dificuldades no início do trabalho.
Torrent chegou ao Flamengo e já sofre pressão por resultados. Estão cobrando de um treinador que está em seu segundo grande trabalho como treinador (antes de ser auxiliar de Guardiola, comandou equipes mais modestas) e que ainda está conhecendo o clube da Gávea – que dirá o Brasil.
Mas uma coisa não pode ser deixada de lado: Torrent deveria saber bem onde está se metendo, por sua experiência de futebol ou, até mesmo, por aviso da diretoria rubro-negra. Se o Flamengo contratou Torrent com a esperança de que já apresentasse os mesmos resultados de Jesus, há um problema gravíssimo.
É claro, não é comum o Flamengo perder de 3 a 0 para o Atlético-GO, assim como também não seria normal um treinador iniciar o trabalho com duas vitórias por 5 a 0. Torrent decepcionou apenas os que criaram enormes expectativa, pois que de fato seria “normal”, avaliando duas semanas de trabalho, está acontecendo: o estrangeiro passa por dificuldades no começo de sua jornada.
E por que um estrangeiro?
O sucesso de Jorge Jesus, na temporada passada, e do ótimo desempenho de Sampaoli à frente do Santos deram início a uma nova tendência no futebol brasileiro: a de inserção de treinadores estrangeiros no país.
A lógica é clara. As opções disponíveis no mercado são, geralmente, as mesmas. São treinadores conhecidos pelo torcedor e, principalmente, por dirigentes; que deram certo no passado e que hoje não apresentam nada fora do comum.
A estratégia foi buscar no exterior. Tivemos dois ‘cases’ de sucesso, e isso foi o suficiente para buscar novos treinadores para o Brasil.
Torrent é discípulo de Guardiola, e por isso acreditamos que está cheio de boas ideias – aliás, o futebol brasileiro é carente de boas ideias.
Outro dia ouvi um ex-jogador rechaçar a entrada de treinadores estrangeiros no Brasil, porque o país é pentacampeão mundial e ninguém sabe mais de futebol do que nós mesmos. A Itália é tetra e não entra em uma Copa como favorita. Os nossos melhores jogadores estão na Europa.
Mais uma vez, não sejamos ignorantes.