O que seria suficiente para cancelar um torneio estadual? Aparentemente, uma pandemia que já causou 800 mortes no Brasil e registrou quase 16 mil casos confirmados de coronavírus não é o bastante – houve 133 novas mortes em relação aos dados divulgados na terça (7), e a taxa de letalidade está em 5%. O otimismo sobre a retomada dos torneios regionais e conclusão da temporada ainda neste ano é enorme, mesmo diante do aumento gradativo do número de mortes e com a normalidade das atividades no país prevista somente para setembro.
Uma série de eventos esportivos já foram adiados: Jogos Olímpicos, Eliminatórias da Copa, GPs de Fórmula 1, Copa América, Fed Cup, Wimbledon… Aliás, é importante destacar que Wimbledon, o torneio mais tradicional da história do tênis, deixa de fazer parte do calendário pela primeira vez desde a Segunda Guerra Mundial.
Ao longo de toda história, alguns eventos esportivos já tiveram que ser interrompidos. As guerras mundiais já provocaram o cancelamento de três disputas de Jogos Olímpicos: 1916, 1940 e 1944. Além disso, as Copas de 1942 e 1946 também precisaram ser canceladas por conta da Segunda Guerra. Na Europa, os torneios de futebol tiveram vida curta nesse mesmo período: na Inglaterra, os times só disputaram três rodadas da temporada 1939/40; na Alemanha, seguiram até 1944 (quase no fim da guerra); na Itália, o futebol seguiu até 1943 e depois paralisou por duas temporadas, mas assim como a França, adaptou os torneios tradicionais por certames regionalizados até o fim do conflito.
Por aqui, nossa guerra é diferente: é frente a um vírus. A situação é semelhante ao período em que a gripe espanhola chegou ao Brasil. Foram mais de 35 mil mortes e, assim como no caso coronavírus, as cidades tiveram que entrar em quarentena para evitar que o contágio se espalhasse. Os números a nível mundial são ainda mais impressionantes: segundo especialistas, foram mais de 500 milhões de pessoas infectadas, cerca de 27% da população mundial, que era de 1,9 bilhão na época. Sobre as mortes, os números divergem bastante, principalmente por conta de países como China e Índia, mas a gripe espanhola tirou a vida de pelo menos 17 milhões de pessoas, podendo ter matado até mais de 100 milhões, entre 1% e 6% do total de pessoas no planeta.
Diferentemente da situação diante do coronavírus, a gripe espanhola provocou o cancelamento de alguns estaduais e adaptações nos formatos de outros. O Campeonato Paulista, por exemplo, parou em setembro de 1918 e retornou em dezembro, mas apenas com os clubes que brigavam diretamente pelo título – o Paulistano foi campeão realizando 15 partidas, e o Corinthians terminou a competição com o vice-campeonato, tendo 17 jogos disputados. A gripe espanhola também impediu que o primeiro Campeonato Gaúcho fosse disputado em 1918, ano de fundação da FGF. No ano seguinte, com a normalização da saúde pública, o torneio enfim aconteceu, e o Xavante conquistou o primeiro título estadual sobre o Grêmio. Isso tudo sem esquecer que o Campeonato Paranaense também foi paralisado em outubro de 1918. O formato do campeonato foi adaptado, e a retomada se deu em janeiro do ano seguinte – a título de curiosidade, o Paranaense também seria suspenso por três meses e meio em função da Revolução de 1930, sendo finalizado em janeiro de 1931 com o título do então Atlético-PR.
O que vale destacar: o Campeonato Carioca não parou. Seguiu até o fim, com todas as 18 rodadas sendo realizadas. O Fluminense foi campeão; mas, em 1919, Archibald French, um dos jogadores do time das Laranjeiras, morreu vítima da gripe espanhola.
Atualmente, a impressão que nos passam é que não há receio algum sobre expor atletas ao vírus. Nenhuma guerra mundial, revolução ou pandemia servirão de motivo de cancelamento dos estaduais. Há interesses maiores do que, simplesmente, preservar a saúde dos atletas.