Atualmente, ao tratarmos de “líberos” no futebol, imediatamente associamos o termo aos goleiros da era moderna. A função do líbero foi ganhando novas atribuições com o passar dos anos e, a medida que as estratégias de jogo foram se aperfeiçoando, seu papel de origem foi perdendo destaque no futebol.
Originalmente, chamava-se de “líbero” aquele defensor central (zagueiro) que não tinha muitas obrigações de marcação individual. Ele tinha total liberdade para se movimentar e conduzir o jogo – o termo vem do italiano, que traduzido para o português significa “livre”. O líbero era responsável por aproveitar sobras e as brechas oferecidas pelo adversário, além de defender, é claro.
Isso acontecia porque, antigamente, o esquema tático mais adotado pelas equipes era composto por três zagueiros, dois meio-campistas e cinco jogadores ofensivos – famoso desenho que ficou conhecido como WM. O que se percebeu na época é que havia muitas situações em que atacantes levavam vantagem numérica sobre os defensores em jogadores. Daí veio a necessidade de um jogador que fizesse cobertura e aproveitasse as sobras – por isso atuava atrás da linha de zaga –, sem obrigações de marcação individual.
A função ganhou novos significados após o sucesso de alguns jogadores. “Líbero” não se tratava mais de um jogador sem obrigações de marcar, que apenas devia se preocupar com sobras e eventuais brechas da sua defesa, mas de um atleta que tinha liberdade para armar o jogo e se aventurar do meio para frente.
Líberos de sucesso
Bobby Moore é considerado um dos maiores jogadores da história do futebol inglês, devido à sua visão de jogo, postura de liderança e qualidade técnica. Era um jogador criativo, inteligente e excelente marcador, que foi fundamental para a Inglaterra conquistar a Copa de 1966. Não foi o pioneiro dos líberos, mas foi um dos primeiros a mostrar excelente técnica jogando com a bola nos pés.
O maior nome dessa nova geração de líberos, e que de fato revolucionou a função, foi Franz Beckenbauer. Ele era meia de origem – inclusive disputou duas de suas três copas nesta posição –, mas o grande sucesso veio jogando recuado. “Der Kaiser” se mostrava ao mundo como um dos jogadores mais completos e versáteis do futebol: marcava, armava, lançava e finalizava ao gol com extrema proeza. Líder, elegante com a bola nos pés e artilheiro. Quiçá o mais influente zagueiro da história da Alemanha, afinal, foi ele que liderou o país à glória, em 1974 – sem contar que ainda ganhou a Copa de 1990 como treinador.
O estilo de Beckenbauer inspirou a formação de novos líberos. A Itália, país que sempre formou excelentes zagueiros, se adaptou rápido e a prática de alguns treinadores levou ao recuo de alguns jogadores do meio para atuarem na zaga, casos de Agostino Di Bartolomei, Andrea Mandorlini e Gaetano Scirea – este teve maior sucesso na função, jogando pela Juventus, esbanjando elegância e sendo muito comparado a Beckenbauer.
Seguindo a linha do tempo, outro que se destacou como líbero foi Daniel Passarella, campeão mundial com a Argentina em 1978, em casa. Tinha forte perfil de liderança para organizar a defesa, e além de ser um exímio marcador, também tinha muita participação no ataque e contribuiu com gols no torneio.
Finalmente, Franco Baresi, o último dos maiores líberos da história do futebol. O italiano era mais marcador do que armador, e embora tivesse como maior característica a marcação dura para cima dos adversários, tinha uma visão de jogo espetacular – não apenas para armar, mas para se antecipar às jogadas. Baresi foi campeão da Copa de 1982 e era o capitão contra o Brasil na final de 1994.
Após a Copa de 1994, o líbero foi lentamente desaparecendo no esporte. Na verdade, ele se encontrava em outras posições, com outras denominações; mas na zaga não existiria mais. Mathias Sammer, talvez, tenha sido o último, saindo do meio e se consolidando na nova posição.
A meu ver, a mudança de função do líbero ficou mais evidente quando Lothar Matthäus, um craque lendário da Alemanha, camisa 10, passa a jogar mais recuado – por causa da idade – e com talento de sobra, se torna um volante que contribui com a organização do meio-campo de sua equipe.
E por que não existem mais líberos?
Resposta: pelo fato de serem jogadores com boa qualidade técnica e leitura de jogo, eles são distribuídos em novas funções, do meio-de-campo para frente. A função do jogador criativo e que joga recuado para armar o time se dá ao volante. O que chamamos, hoje, de “elemento surpresa” advém da função do líbero. O holandês Ronald Koeman, o defensor com mais gols na história do esporte (253), teve sucesso no Dream Team do Barcelona, comandado pelo compatriota Johan Cruijff, graças ao papel de invadir a área, se aproveitando de brechas na defesa adversária.
Atualmente, o fenômeno que presenciamos para ter mais qualidade técnica na defesa é o fato de volantes (especialmente jogadores de combate) serem recuados para a zaga, pensando na saída de bola da equipe. Ainda assim, eles não avançam, pois, devido à evolução dos esquemas táticos, ter um defensor que se aventura no ataque representa uma enorme exposição ao contragolpe.
O volante é o maior acumulador de funções da equipe: marca, organiza, arma, pega sobras, lança, divide e ainda disputa jogadas aéreas. Dá a “direção” ao time. Quando ele avança, o time precisa ir junto. Se ele recua, o time deve acompanhar.
Não podemos confundir o volante com o líbero pois são duas funções totalmente diferentes. O que podemos dizer é que uma posição recebeu muitos atributos da outra.