texto: Tite Simões
Números apontam recuperação nas vendas de motos
Essa tendência já estava aparecendo desde os primeiros meses de 2019. O mercado de motos, que viveu seu auge em 2012, sofreu uma queda significativa a ponto de perder mais de 50% de vendas nos anos seguintes. Agora parece que o pior já passou e começa a apresentar um crescimento natural e maduro.
Segundo todos os estudos de projeção e estatísticas, o Brasil tem um potencial para cinco milhões de motos ao ano. Como chegaram a este número não é um mistério, porque hoje são comercializadas cerca de quatro milhões de motos ao ano, entre novas e usadas. Dessas, um milhão são zero km.
Outro fator para essa projeção é a importância da moto na economia da região Norte/Nordeste. A moto assumiu um papel fundamental na renda de muitas famílias. Quem antes tinha de se submeter a trabalhos praticamente análogos a escravidão, com a moto pôde exercer atividades como moto-taxi ou entregador.
Isso não é teoria, eu vi ao vivo em várias viagens a trabalho pelo Nordeste. A moto ajudou a girar a economia. As concessionárias da região aprenderam a negociar das mais diferentes formas, aceitando até mercadorias como gado e saco de feijão como parte de pagamento!
O maior fator inibidor da venda de qualquer veículo ainda é a taxa de juros. Hoje a principal modalidade de compra é o CDC (financiamento). E a escolha da moto não se dá necessariamente pela qualidade, tamanho, desempenho etc, mas pelo valor da parcela. O cliente entra na loja e pergunta: “o que consigo comprar por R$ 150,00 ao mês?”. E o vendedor que faz a mágica de achar o que cabe nesse orçamento.
Já no Sul/Sudeste os critérios de compra e a necessidade começaram a mudar. Hoje eu vejo os novos motociclistas com perfil bem diferente do que era 20 anos atrás. Especialmente nas grandes cidades, onde a presença de aplicativos mudou o hábito de consumo. Os serviços de entrega por app, seja de mercadoria ou de alimentos, deu uma nova esperança aos milhares de desempregados. Especialmente aqueles que não conseguiriam passar por uma entrevista formal de contratação.
No sudeste a moto é uma importante ferramenta de trabalho
Sei bem disso porque o crescimento de 14,4% nas vendas de motos, de janeiro a outubro, refletiu diretamente no curso Abtrans de Pilotagem que montei em 2014. Desde o começo de 2019 tivemos um aumento significativo de procura por mulheres, mas não apenas buscando uma forma mais eficiente de mobilidade urbana, também estão buscando um ofício de “moto-girl”. Pode reparar nas ruas: mulheres com aqueles mochilões da Rappi, iFood, Uber Eats, Loggi etc. Sorte dessas empresas, porque as mulheres efetivamente se envolvem menos em acidentes.
Outro perfil são dos homens aposentados compulsoriamente. O mercado de trabalho é estranho: não contrata profissionais com mais de 50 anos, mas nos cargos de gerente – ou de consultores – tem até octogenários. Quem passou dos 50 acaba recorrendo ao aplicativos de transporte (de carro), ou, se a saúde permitir, nas entregas de moto. Além, claro, dos milhares de jovens que já perceberam ser mais lucrativo trabalhar para aplicativos do que um subemprego na formalidade.
Para engrossar esse caldeirão, acaba de ser liberado em SP o aplicativo de moto-taxi Picap, que já tem mais de 100 mil motociclistas cadastrados. Vai ser mais uma opção de meio de vida para estes perfis que descrevi acima.
Monopólio
Quem cai de paraquedas no mercado e olha os números pode se assustar: como a Honda tem mais de 80% do mercado há mais de 35 anos? Será que adotou práticas abusivas? Esmagou os concorrentes com protecionismos ilegais? Tem qualidade muito superior?
A decisão da Honda de se instalar em Manaus em 1976 mudou totalmente o cenário do mercado.
Nada disso. Tudo começou lá nos anos 70 quando as marcas japonesas chegaram no Brasil via importadores e representantes. Nesta época as motos europeias já viviam uma decadência tecnológica diante dos japoneses e marcas como Honda, Yamaha, Suzuki e Kawasaki brigavam por fatias muito equilibradas do mercado. Até que o governo militar decidiu impulsionar a Zona Franca de Manaus no final dos anos 60, que mudaria completamente esse cenário.
A Honda não pensou duas vezes: incentivada por uma política de isenções fiscais e outros benefícios, arrumou as malas e se mandou para a floresta amazônica em 1976 encarar o desafio de fabricar motos num dos climas mais hostis do planeta. Seus vizinhos eram indústrias eletrônicas e isso causou um tremendo quebra-cabeça logístico porque os fornecedores de moto peças estavam todos no sudeste!
Já a Yamaha, que tinha um mercado forte em São Paulo e Rio de Janeiro, apostou suas fichas na fábrica instalada em Guarulhos, SP, bem perto de São Bernardo do Campo, onde ficavam a maioria dos fornecedores. Além de se manter grudada nos maiores mercados da época.
Além disso, houve uma outra aposta, dessa vez tecnológica. A Honda acreditou que o melhor para o Brasil seria uma moto com motor quatro tempos, de difícil manutenção, mas tradicionalmente mais confiável e resistente. Já a Yamaha insistiu no motor dois tempos, mais esportivo, mais fácil de trabalhar, porém menos econômico e menos resistente.
Quando a Yamaha percebeu que teria de se mandar para Manaus para viabilizar a produção – e adotar os motores quatro tempos –, a Honda já tinha uma volta de vantagem na corrida pelo mercado. Essa diferença nunca foi recuperada. O resto é história.
Portanto o que desencadeou esse quase monopólio da Honda teve muito mais a ver com o gerenciamento estratégico do que a qualidade dos produtos ou práticas abusivas.
Outro fator que contribui para esse desequilíbrio é a capilaridade da rede de concessionários. Enquanto a Honda tem quase 1.100 pontos de venda, a Yamaha tem cerca de 400. Qualquer estagiário de economia sabe o que isso representa em termos de impacto nas vendas.
A vez dos scooters
Um dado que chamou muita a atenção dos números do mercado foi o crescimento sempre desproporcional das vendas de scooters. Enquanto o mercado de motos cresce numa razão de 10 a 15% o de scooter navega entra 20 e 30% de crescimento. Os scooters viveram uma explosão do mercado depois do ano 2000 quando o consumidor finalmente entendeu a finalidade do veículo.
Hoje as motonetas e scooters representam uma fatia importante do mercado e justifica a existência de players que vivem deste mercado, como a JTZ, um braço da J. Toledo, que representa a marca Haojue, e a Dafra, dona da Citycom 300, o mais vendido da categoria.
Outra dado curioso do nosso mercado é que estamos muito bem também na faixa de alta cilindrada. A categoria acima de 400cc representa 5,35% do total de venda que dá algo em torno de 43.600 unidades. Pode parecer pouco perto dos 816.000 motos vendidas no período, mas é mais do que muitos mercados mais maduros na Europa e Ásia.
Por isso podemos ver marcas de peso no segmento premium como Harley-Davidson, BMW e Triumph cada vez mais agressivas no mercado brasileiro. E sem a menor ameaça de fechar as portas. Pode ser um segmento que movimenta poucas unidades, mas em termos de valor representa um enorme filé mignon!
Vamos encerrar o ano com mais de um milhão de motos vendidas. Já é um grande salto ante os últimos cinco anos, mas pode apostar que vamos acelerar rumo ao segundo milhão muito antes do que se imagina. É só a economia continuar neste crescimento contínuo e responsável, sem malabarismos experimentais. É só esperar.