Tente imaginar uma cidade com 12,5 milhões de habitantes e 9 milhões de veículos motorizados. Tudo isso se movimentando o dia todo, sete dias por semana. Imaginou? Pois é bem mais difícil do que imaginou.
Vivemos na maior cidade da América do Sul, dentro de um país que por seis décadas priorizou o automóvel como meio de transporte. O resultado é uma sensação de imobilidade, com médias horárias semelhantes a de um ser humano a pé e um sistema viário pensado apenas em carros.
Alguns números para ilustrar:
– Média horária de um ônibus em horário de pico: 8 km/h
– Média horária de um automóvel: 12 km/h
– Média horária de uma moto: 27 km/h
– 85 milhões de viagens/dia
– 53% de todo deslocamento poderia ser feito de bicicleta
– Mais de 80% de todo sistema viário é pensado em carros
– Aumento de 220% de acidentes com bicicleta
Quando se olha para São Paulo tudo é grande e confuso mas, acredite, não temos o pior trânsito do Brasil, tanto pela fiscalização constante, mas também porque o perfil da mobilidade urbana está mudando. Cidade como Rio de Janeiro, Manaus e Belo Horizonte já estão vivendo seus dias de caos.
Ficar discorrendo sobre os motivos que levaram o brasileiro a eleger o carro como um sonho de consumo é perda de tempo. O que temos de observar é o fenômeno atual de uma geração que simplesmente não quer mais ter carro, nem moto, nem nada com motor a combustão. Para a geração millennial (nascido entre 1979 e 1995) queimar combustível fóssil soa tão indecente quanto acender um cigarro dentro de um hospital. A opção pelo não-motor chega num momento que a consciência ecológica já vem de berço.
Mas existe ainda uma segunda razão para abandonar a ideia de propriedade de carros e motos,: os jovens não querem mais adquirir bens que dão despesa e exigem cuidados. Estão trocando bens materiais por experiências, como viagens gastronômicas e aventuras na natureza.
Por conta dessa realidade estamos prestes a viver um novo modelo de deslocamento, ditado pelos veículos de micromobilidade (patinetes e monociclos elétricos compartilhados ou particulares). Eu mesmo tive a chance de testar um patinete elétrico no bairro do Itaim. Como complemento do transporte público funciona muito bem. O cidadão desce do ônibus, sobe no patinete e percorre uma distância curta até o destino.
Mas como tudo no Brasil adquire novas funcionalidades, tem gente achando que os veículos de micromobilidade devem ser usados para transporte pessoal. E não é! Os patinetes e monociclos são instáveis, exigem um piso liso e chegam a velocidade de 25 km/h, já suficiente para causar lesões graves e até fatais. Por isso o uso racional desses microveículos deve ser em ciclovias ou ciclofaixas. Se já é difícil ver uma Harley-Davidson de 340 kg se movimentando entre os carros imagine uma coisa que nem aparece no espelho retrovisor. É como um pedestre se movendo a 25 km/h entre os carros!
Bicicleta é vida
Sem qualquer ranço ativista – vade retro – acredito que vamos assistir um crescimento exponencial das bicicletas elétricas, essas sim, usadas como meio de transporte individual. Não só das particulares, mas sobretudo das compartilhadas. Aliás, caso não tenha percebido, esses veículos compartilhados são o balão de ensaio de algo que já está batendo nas nossas portas: os carros compartilhados.
Outro dado que assusta quem vive nas grandes cidades é o quanto de tempo é necessário no itinerário casa-trabalho-casa usando transporte público. Em alguns casos extremos chega de três a quatro horas por dia, que equivale a impressionantes 30 dias por ano! Um mês por ano é gasto apenas em deslocamento. Isso não é normal. A combinação de bicicleta + transporte público pode reduzir essa jornada pela metade. Se for uma moto esse percurso é feito em um terço do tempo.
Como consequência do tempo economizado uma pessoa pode estudar, praticar atividade física, se divertir ou passar mais tempo com a família (uma das principais reivindicações dos moradores das grandes cidades). Isso se classifica como qualidade de vida, conceito que atualmente tem mais valor do que riqueza.
Não tem como falar em mobilidade urbana sem citar a motocicleta. Posso falar de cátedra porque dos 18 aos 22 anos trabalhava durante o dia e estudava à noite e para conseguir cumprir essa jornada com pelo menos seis horas de sono a moto foi fundamental. Junto com as motos está entrando em cena as bikes elétricas e é aqui que queria chegar.
No Brasil – como sempre – demorou demais para sair uma regulamentação das bicicletas elétricas e isso gerou alguns desvios como bikes com acelerador e motores potentes capazes de chegar a 45 km/h. Claro que se aproxima de uma motocicleta com as devidas consequências. Hoje a bike elétrica regulamentada para uso no Brasil não deve ter acelerador, não pode passar de 25 km/h e o motor deve atuar como auxiliar do pedal. Em resumo o motor funciona para atenuar o esforço nas subidas.
Com esse perfil, a bike elétrica pode finalmente mudar a cara de uma grande cidade porque derruba o principal argumento contra o pedal que é a topografia de São Paulo ou, pior ainda, de Belo Horizonte. Antes preciso argumentar que topografia nunca foi empecilho para uso de bicicleta, senão São Francisco (EUA) não teria uma única bike. E tem aos montes!
Hoje o que ainda inibe o uso das bikes elétricas ou não é a segurança. Porque não tem como discutir mobilidade urbana sem falar em acidentes. Só nos primeiros seis meses do ano de 2019 aumentou 220% o número de vítimas de acidentes com bicicletas. Mas este é um tema para a próxima coluna. Até lá.