Sempre que paramos para pensar em lendas do esporte, imediatamente nos vêm à cabeça ícones masculinos como Pelé, Maradona, Bolt, Phelps, Jordan… Pode até parecer exagero de minha parte, mas basta pesquisar por “lendas do esporte” nas imagens do Google e ver que 90% dos atletas que aparecem são homens. Não me importo se tal pensamento é visto como “mimimi”, mas é uma realidade que não pode mais ser ignorada.
No mês passado, aconteceu o Mundial de Esportes Aquáticos. Na natação, Etiene Medeiros conquistou o ouro para o Brasil e ainda seu espaço em capas de jornais. Depois disso, alguma repercussão ou outra sobre o feito, e nada mais. Etiene é o simples retrato de uma heroína de poucos dias da sociedade, pois a imagem da atleta aos poucos esmaece depois da glória.
E o que beira o bizarro é o fato de sempre encontrar uma justificativa para tudo. O caso de Etiene poderia ser explicado pelo fato da nadadora ainda ser desconhecida pela maioria da população brasileira, assim como poderiam justificar que Katie Ledecky (da natação) e Simone Biles (ginasta artística), dois fenômenos norte-americanos, não são lendas porque ainda não se consagraram no esporte pela curta idade; mas chega a ser gozado se compararmos com Neymar, que aos 19 anos já era ídolo do Santos, após uma conquista de Libertadores.
Outro caso é o de Rosângela Santos (atletismo), que neste mês tornou-se a primeira mulher do país a quebrar a barreira dos 11 segundos nos 100 m rasos e a ser finalista da prova nobre em um Mundial, além de estabelecer o novo recorde Sul-Americano: 10s91. Naquela tarde de 6 de agosto, a pouco conhecida Rosângela Santos já era vista como uma figura heroica, mas não teve os mesmos holofotes no dia seguinte, visto que terminou a final na 7ª colocação.
Só que todos conhecemos Marta, e sabemos que ela é uma lenda do futebol. No entanto, a modalidade masculina é absurdamente valorizada, o que diminui ainda mais a figura da atleta feminina. Mais uma vez pode parecer exagero da minha parte, mas tente responder (sem a ajuda do Google) onde joga a Marta e onde joga o Gabriel Jesus atualmente.
O último Campeonato Brasileiro de futebol feminino foi decidido entre Santos e Corinthians. As meninas da Vila Belmiro ficaram com o título e também foram consideradas como heroínas, mas isso durou poucos dias. Quanto ao time do Corinthians, ressalvo uma curiosidade: tinha como folha salarial R$ 120 mil. Um jogador mediano do elenco masculino ganha isso sozinho.
O futebol é dito esporte mais popular do país, mas é também um dos mais preconceituosos. Vejo o esporte como um retrato puro dos comportamentos da sociedade. Em outras palavras, todo tipo preconceito impregnado na sociedade acaba refletindo no esporte.
Também em julho, Guto Ferreira foi protagonista de uma fala totalmente machista à repórter Kelly Costa, da RBS. Apenas recordando o caso, na coletiva de imprensa, após a vitória do Internacional sobre o Luverdense, por 1 a 0, a jornalista questionou o treinador sobre a má pontaria da equipe. Ele disse que não responderia com outra pergunta porque ela “é mulher e, de repente, não jogou [futebol]”. Mais tarde, depois da coletiva, ele se desculpou com a repórter.
A resposta do Guto foi tão natural e imediata que passou uma sensação de normalidade. O machismo está enraizado de uma forma que discursos como esses se tornam comuns, a ponto de não serem percebidos como um problema pela maioria dos homens.
E talvez argumentar com “você nunca jogou” pode ser um eufemismo para essa visão de que mulher não pertence ao esporte. Entraria na mesma rotulagem de associar a mulher a uma confusão no trânsito.
Talvez eu (homem branco e machista, mas que todos os dias tento desconstruir esse pensamento que está enraizado em mim e à minha volta) seja a pior pessoa para estar abordando o debate neste espaço de discussão. Todavia, para escrever esse texto, busquei me inteirar mais sobre o assunto e saber o que mulheres sentiram após a fala de Guto Ferreira.
Já vendo pelo lado de muitos homens, o fato ainda é encarado como “muito politicamente correto”, “mimimi”, “tudo brincadeira”, “coisa do futebol, “futebol tá ficando chato”… Mas o que realmente preocupa são os comentários nas mídias sociais, onde eles dizem não enxergarem o machismo na fala do Guto. Particularmente, não sei se realmente não querem ver, mas isso resume muito bem o problema da sociedade e como isso acaba refletindo no esporte.
Fato é que aos poucos a mulher ganha mais espaço no âmbito esportivo, especialmente na imprensa, e não é só porque possui um rosto e um corpo bonito. A Fox Sports tem Nadine Bastos como primeira comentarista de arbitragem na TV. Comentar futebol é estar sujeito a uma série de críticas e, infelizmente, pelo fato de ser mulher ela é alvo de uma série de julgamentos sobre seus conhecimentos no assunto, mesmo sem dizer uma só palavra. Ela é uma das que lutam para desmistificar esse preconceito tão presente na imprensa, e o esporte precisa de mais Nadines.